domingo, 8 de setembro de 2019

Desejos não são direitos — eis uma maneira de distinguir o que é um direito e o que não é (Lawrence W. Reed)


Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis

Apenas observe o cenário ao seu redor: há uma lista, em contínua expansão, de coisas às quais as pessoas afirmam ter o “direito” de receber “gratuitamente”. Vai desde saúde, educação e transporte até estabilidade no emprego, aposentadorias nababescas, lazer, cultura e cirurgias de mudança de sexo.
No entanto, quando se considera seriamente o assunto, surge a conclusão de que simplesmente não existe nenhuma base lógica e racional para tais demandas. Há apenas desejos e vontades, em ampla escala, por bens (produtos e serviços) — algo que supostamente implica a necessidade de que eles se tornem direitos.
A partir daí, é apenas um passo para que grupos de interesse façam pressão e pratiquem lobby sobre o governo e recorram a tentativas legislativas ou judiciais para criar tais direitos — os quais serão, em seguida, promovidos como melhorias sociais.
Mas isso apenas conduz a novas perguntas.
Pode um desejo automaticamente virar um direito? Um direito é a mesma coisa que um desejo? Por quê? Por que não?
Se eu sofri uma falência renal e preciso de um rim, teria eu o direito de pegar o seu? Se preciso urgentemente de um tratamento médico, posso obrigar outra pessoa a custeá-lo? Posso obrigar um médico a me tratar gratuitamente? Qual é a diferença entre esses cenários?
Seria um direito algo que pode (ou deve) ser concedido (ou negado) pelo voto da maioria?
Na sua opinião, a Constituição, uma ordem executiva ou uma lei do Congresso criam direitos? Ou será que tais instrumentos simplesmente reconhecem direitos que as pessoas inerentemente possuem pelo fato de serem humanas?
Se você fizer essas mesmas perguntas ao cidadão comum, esteja certo de que ouvirá uma pletora de respostas diferentes e conflitantes.
Este breve ensaio não fornecerá respostas detalhadas para todas as perguntas. Tampouco fará todas as perguntas relevantes. O seu propósito é mais limitado que isso. Se este texto ao menos levar o leitor a pensar um pouco mais detidamente sobre a questão, o objetivo já terá sido alcançado.

Uma definição prática

Para um direito ser genuinamente válido é necessário que todos nós, como seres humanos, tenhamos a capacidade de usufruir esse mesmo direito, ao mesmo tempo e da mesma maneira.
A obviedade dessa afirmação vem do fato de que, para algo ser realmente um direito, todos os outros seres humanos devem logicamente ter esse mesmo direito. Não pode haver nenhum conflito ou contradição lógica. Um indivíduo não pode, sem cair em contradição, alegar que possui um direito e, ao mesmo tempo, negar esse direito para terceiros. Fazê-lo seria o equivalente a admitir que esse direito não seja realmente um direito, mas sim um privilégio.
Portanto, é necessário que exista a possibilidade de que todos os indivíduos usufruam esse suposto direito simultaneamente, sem nenhuma contradição lógica. Se, quando eu exerço um direito que alego possuir, estou fazendo com que seja impossível outra pessoa exercer esse mesmo direito ao mesmo tempo, então a minha ação implica que esse suposto direito é exclusividade minha. A minha ação implica que tal direito é apenas meu — e não de outra pessoa. O que é um direito para mim é uma obrigação de terceiros. Ou seja, não é um direito, mas sim um privilégio.
Exemplo básico. Se eu alego ter o direito de receber serviços de saúde gratuitos, então, na prática, estou dizendo que outra pessoa possui o dever de me fornecer tais serviços — ou, de modo mais realista, estou dizendo que outra pessoa tem o dever de pagar para que eu receba esses serviços.
Ou seja, outro indivíduo deve ter a sua renda (propriedade) confiscada para custear os meus serviços médicos.
Obviamente, essa outra pessoa, a partir deste momento, não mais possui o mesmo direito que eu tenho. O meu direito é receber serviços gratuitos; o “direito” dela é me financiar esses serviços. O meu direito criou um dever para essa pessoa: ela agora é obrigada a efetuar uma ação que não necessariamente desejava efetuar. Embora nós dois sejamos igualmente seres humanos, a liberdade de escolha dessa pessoa foi subordinada à minha liberdade de escolha. Aquele direito que concedi a mim (serviços de saúde gratuitos) está sendo negado a essa outra pessoa, pois ela, ao ficar com o fardo de pagar pela minha saúde, perdeu o seu “direito” a serviços de saúde gratuitos.
Para que eu adquirisse um direito, essa pessoa teve de arcar com uma obrigação. Pior ainda: ela teve a sua propriedade espoliada — o que seria uma flagrante agressão ao seu direito de propriedade.
A seguir, apresento duas listas. A primeira relaciona os itens aos quais pessoalmente acredito que você tenha direito. A segunda é uma lista de coisas às quais pessoalmente creio que você não tenha direito (e prontamente lhe concedo todo o direito de discordar de mim).

Coisas a que você tem direito:
1. Não ter a sua vida retirada de você (a menos que você tente retirar a vida de outro sem justificativa ou motivo de legítima defesa);
2. Pensar o que quiser;
3. Falar o que quiser (o que é apenas a expressão verbal ou escrita do item #2), desde que o faça utilizando os seus próprios meios.
4. Manter a propriedade material daquilo que você construiu por conta própria, daquilo que ganhou de presente e daquilo que adquiriu via transação pacífica e voluntária.
5. Empreender e ganhar a vida fazendo aquilo que quiser, desde que não agrida a vida e a propriedade de terceiros (que é uma consequência do item #4).
6. Criar e educar os seus filhos como quiser.
7. Viver em paz e com liberdade, desde que não ameace a paz e a liberdade de terceiros.

Coisas a que você não tem direito:
1. Internet de banda larga e alta velocidade;
2. Cheeseburgers, vinhos ou um iPhone;
3. A casa, o carro, o iate, o jatinho, a renda, o salário, a empresa ou a conta bancária de outra pessoa;
4. Viver à custa do trabalho de terceiros com os quais você não fez um acordo voluntário (você não tem o direito de escravizar alguém ou até mesmo de confiscar uma parte dos ganhos de outras pessoas);
5. Obrigar um curandeiro ou um renomado cirurgião — ou qualquer profissional entre esses dois extremos — a tratar você;
6. Escolas, faculdades, métodos contraceptivos, colonoscopias ou estádios financiados por meio de impostos (ou seja, com dinheiro coercitivamente confiscado de terceiros);
7. Qualquer bem que não seja seu, por mais que você realmente o queira e acredite ter o direito de possui-lo;
8. Estipular como outras pessoas devem educar os seus filhos (principalmente obrigá-las a colocá-los em escolas);
9. Qualquer bem (produto ou serviço) gratuito — a menos, é claro, que o proprietário legítimo deles opte por distribuí-los livremente;
10. Qualquer coisa que algum político tenha prometido, dizendo que você possui direito a ela (moradia, transporte, lazer, cultura, felicidade, beleza — e assim por diante).

Sim, há algumas zonas cinzentas. Por exemplo, embora eu creia que você tenha o direito de criar e educar os seus filhos como quiser, maus-tratos, abusos e negligência não são defensáveis. No entanto, vamos manter o foco nos princípios essenciais.

Direitos positivos versus direitos negativos

Veja a lista novamente, com cuidado. Qual é a diferença essencial entre a natureza da primeira lista e a natureza da segunda lista?
Acertou. Na primeira lista, nada é exigido de terceiros, exceto que eles deixem você em paz. Nada é confiscado, nada é expropriado, e nenhuma ação positiva é imposta. A liberdade, a propriedade e a vida das outras pessoas seguem intactas. Nenhum passivo foi criado.
Já na segunda lista, porém, para que você tenha direito a algo, outras pessoas têm de ser obrigadas a fornecer esse algo para você. A liberdade, a propriedade e até mesmo a vida de terceiros foram negativamente afetadas. Trata-se de uma diferença monumental.
A primeira lista abrange os “direitos naturais”, que também são chamados de “direitos negativos”. Eles são naturais porque são inerentes à natureza humana; são direitos que todos nós, como seres humanos, usufruímos pela simples razão de sermos humanos. Esses direitos derivam da nossa natureza essencial como indivíduos singulares e sensatos. E são negativos porque não impõem obrigações a terceiros, exceto um compromisso de não agredir. De novo: a única imposição que tais direitos impingem a terceiros é a de não efetuar uma determinada ação.
Já os itens na segunda lista são chamados de “direitos positivos” porque outras pessoas devem fornecê-los a você ou ser coagidas a fazê-lo caso se neguem. Ou seja, tais direitos necessariamente impõem a terceiros a obrigação de efetuar ações positivas.
Ao passo em que os direitos negativos simplesmente impõem a terceiros o dever de não iniciar coerção contra inocentes — seja na forma de violência bruta, seja na forma furtiva de obrigá-lo a pagar por bens (produtos e serviços) que serão ofertados a terceiros —, os direitos positivos significam como consequência exatamente a agressão contra terceiros inocentes.
Adicionalmente, os direitos naturais ou negativos são irrefutáveis: eles não podem ser negados, pois, se isso ocorrer, a pessoa que os negar estará caindo em contradição, pois estará negando a sua própria condição de ser humano.

Conclusão

Embora eu acredite que nem você, nem eu tenhamos direito a nenhuma daquelas coisas disparatadas na segunda lista, devo acrescentar que nós certamente temos o direito de criá-las, de buscá-las, de recebê-las como presente de benfeitores voluntários ou de obtê-las por meio de transações comerciais. Apenas não possuímos o direito de obrigar terceiros a nos fornecê-las.
Se qualquer um de nós tivesse esse direito de tomar essas coisas de terceiros, então por que outras pessoas também não teriam o mesmo direito de tomá-las de nós?
A existência de “direitos negativos” significa simplesmente que ninguém pode escravizar, coagir ou despojar terceiros da propriedade deles. Acima de tudo, significa que cada um de nós pode oferecer resistência a tais condutas quando outros nelas incorrerem.
Ademais, querer ter acesso a bens (produtos e serviços) sem ter desempenhado nada a ninguém significa simplesmente desejar escravizar terceiros. Se não fosse pelo corrompido encanto de que seja possível obter algo em troca de nada, as pessoas há muito já teriam rejeitado a ideia de que desejos implicam direitos.
Entretanto, se a atual tendência dessa noção de que desejos sejam direitos não for revertida, a nossa cobiça pela propriedade alheia seguirá nos corrompendo de maneira cada vez mais profunda. As consequências podem ser nefastas. Na mais benevolente das hipóteses, estaremos criando uma sociedade mimada que muito exige e pouco produz.

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