sábado, 14 de setembro de 2019

Sociedades pobres e sociedades ricas (Jesús Huerta de Soto)


Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis

Querer ajudar os pobres e os necessitados é um sentimento nobre e correto, que está presente, na sua forma mais pura, principalmente nos jovens e adolescentes. Mas é necessário ter alguns cuidados para não se deixar ser manipulado. É necessário estudar a situação com grande rigor científico, caso contrário corre-se o risco de acabar punindo aquele a quem se quer ajudar.

Riqueza e Pobreza

A diferença entre o Robinson Crusoé pobre e o Robinson Crusoé rico é aparentemente simples, porém essencial: o rico dispõe de bens de capital. E, para possuir esses bens de capital, ele teve de poupar e investir.
Bens de capital são fatores de produção — no mundo atual, ferramentas, maquinários, computadores, equipamentos de construção, tratores, escavadeiras, britadeiras, serras elétricas, edificações, fábricas, meios de transporte e de comunicação, minas, fazendas agrícolas, armazéns, escritórios, etc. — que auxiliam os seres humanos nas suas tarefas e, em consequência, tornam o trabalho humano mais produtivo.
Os bens de capital do Robinson Crusoé rico (por exemplo, uma rede e uma vara de pescar, construídas com bens que ele demorou, digamos, cinco dias para produzir) foram obtidos porque ele poupou (absteve-se do consumo) e, por meio do seu trabalho, transformou os recursos que não consumira em bens de capital. Esses bens de capital permitiram ao Robinson Crusoé rico produzir bens de consumo (pescar peixes e colher frutas) e, com isso, seguir vivendo cada vez melhor.
Já o Robinson Crusoé pobre, por sua vez, não dispõe de bens de capital. Todo o seu trabalho é feito à mão. Em virtude disso, ele é menos produtivo; e, por produzir menos e ter menos bens à sua disposição, ele é mais pobre, e o seu padrão de vida, mais baixo.
O Robinson Crusoé rico é mais produtivo. E, por ser mais produtivo, ele não apenas pode descansar mais, como também pode poupar mais, o que lhe permitirá acumular ainda mais bens de capital e, em consequência, aumentar ainda mais a sua produtividade no futuro. Já o Robinson Crusoé pobre consome tudo aquilo que produz. Ele não tem outra opção. Como não é produtivo, ele não pode se dar ao luxo de descansar e poupar. Essa ausência de poupança compromete as suas chances de aumentar o seu padrão de vida no futuro.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado para se diferenciar uma nação rica de uma nação pobre.
Que diferença existe entre os Estados Unidos e a Índia? Será que a população indiana é mais pobre porque trabalha menos? Não. Na Índia, trabalha-se até mais que nos EUA. Será que um indiano — um egípcio, um mexicano ou um haitiano — possui menos conhecimento tecnológico do que um americano ou um suíço? Não, o conhecimento está hoje disperso pelo mundo e tende a ser o mesmo. Com efeito, os técnicos indianos são reconhecidos como uns dos melhores do mundo. Então, por que há pessoas desnutridas e morrendo de inanição em Calcutá, mas não em Zurique ou em San Francisco?
A diferença entre uma nação rica e uma nação pobre pode ser explicada exclusivamente por um único fator: a nação rica possui uma quantia muito maior de bens de capital do que uma nação pobre.
Ao passo em que na Índia um agricultor cultiva a sua terra com duas vacas e um arado, nos EUA um agricultor utiliza um trator e um computador. E, com esses bens de capital, ele é múltiplas vezes mais produtivo que o seu congênere indiano. O americano seria o Robinson Crusoé rico, que possui uma rede e uma vara de pescar; o indiano seria o Robinson Crusoé pobre, que utiliza as próprias mãos para colher alimentos.
Quando um indivíduo tem de utilizar apenas o trabalho das suas mãos, quando aquilo que produz é utilizado imediatamente para o seu consumo final, ele é pobre. Quando esse mesmo indivíduo passa a utilizar bens de capital, como tratores, computadores e vários tipos de máquinas — os quais só puderam ser construídos graças à poupança e ao subsequente investimento de outras pessoas —, ele pode multiplicar acentuadamente a sua produtividade e, portanto, ser muito mais rico.
Quanto maior for a estrutura de produção — isto é, quanto maior for o número de etapas intermediárias utilizadas para a produção de um bem —, mais pujante tende a ser o processo de produção. Por exemplo, se o bem de consumo a ser produzido é o milho, você tem de preparar e cultivar a terra. Você pode fazer tal tarefa com um arado ou com um trator. O trator moderno é um bem de capital cuja produção exige um conjunto de etapas muito mais numeroso, complexo e prolongado do que o número de etapas necessário para a produção de um arado. Em consequência, para arar a terra, um trator moderno é muito mais produtivo que um arado. Portanto, o processo de produção do milho será mais produtivo caso você utilize um trator (cuja produção demandou um processo de várias etapas) em vez de um arado (cujo processo de produção é extremamente mais simples).
Isso explica por que um trabalhador nos EUA ganha um salário muito maior do que um trabalhador na Índia executando a mesma função. O primeiro possui à sua disposição bens de capital em maior quantidade e de melhor qualidade que o segundo. Logo, o primeiro produz muito mais que o segundo num mesmo período de tempo. Quem produz mais pode receber salários maiores.
Eis a característica que diferencia um país rico de um país pobre.

Implicações Lógicas

A única maneira de favorecer as classes trabalhadoras e os mais pobres, portanto, é dotá-los de bens de capital, os quais são produzidos graças à poupança e ao investimento de capitalistas.
O que é um capitalista? Capitalista é todo indivíduo que poupa (que consome menos do que poderia) e que, ao abrir mão do seu consumo, permite que recursos escassos sejam utilizados para a criação de bens de capital.
Em razão disso, se um determinado país pobre deseja enriquecer, deve criar um ambiente empreendedorial e institucional que garanta a segurança da poupança e dos investimentos. A única maneira de sair da pobreza é fomentar a poupança, permitir o livre investimento da poupança em bens de capital e estabelecer um sistema de respeito à propriedade privada que favoreça a criatividade empresarial e a livre iniciativa. Em suma, esse país deve permitir que os capitalistas tenham liberdade e segurança para investir e aproveitar os frutos dos seus investimentos (o lucro).
Um país que persegue os capitalistas, que tolhe a livre iniciativa, que não assegura a propriedade privada, que tributa os lucros gerados pelos investimentos e que cria burocracias e regulamentações sobre vários setores do mercado é um país condenado à pobreza. Já um país que fomenta a poupança, que respeita a propriedade privada e que permite a liberdade empreendedorial e a acumulação de bens de capital é um país que sairá da pobreza e poderá, em poucas gerações, chegar à vanguarda do desenvolvimento econômico.

Cigarras e Formigas

Vivemos num mundo repleto de demagogia e de políticos populistas. Estes são os principais inimigos da criação de riqueza. Acrescente-se a isso um arranjo democrático, e o estrago tende a ser irreversível.
Se um partido político prometer que, uma vez eleito, os salários serão duplicados e as horas de trabalho serão reduzidas à metade, as suas chances de chegar ao poder tendem a aumentar. Caso ele realmente seja eleito e decrete tais medidas, o país empobrecerá de imediato. Manipular salários — ou até mesmo imprimir dinheiro para manipular a taxa de juros — é uma medida que absolutamente nada pode fazer para contornar o fato de que vivemos num mundo de escassez. E escassez significa que os recursos têm de ser poupados antes para só então serem investidos para a criação de bens de capital. A manipulação de salários e de juros não pode abolir a escassez. Ela não pode aumentar a quantidade de bens de capital nem a produtividade dos trabalhadores. A necessidade de se abster do consumo (poupar) é um sacrifício que não pode ser encurtado por políticas populistas. O enriquecimento não é algo que possa ser alcançado pela demagogia.
Se esse mesmo partido prometer apenas uma “redistribuição de riqueza”, tirando dos ricos para dar aos pobres, os efeitos tendem a ser igualmente devastadores. Seria o triunfo da filosofia da cigarra sobre a filosofia da formiga. É fácil entender como se daria esse efeito deletério.
Os proprietários dos bens de capital de uma economia são os capitalistas. Se o partido que estiver no poder for seguidor de uma ideologia socialista que defenda a expropriação dos capitalistas e a subsequente entrega dos seus bens de capital para os trabalhadores, o que ocorrerá caso essa política seja implantada é que tais trabalhadores irão apenas consumir esse capital, pois tal consumo fará com que o seu padrão de vida aumente momentaneamente. A consequência? Tendo consumido o capital, todas as etapas intermediárias dos processos produtivos serão extintas. A estrutura de produção da economia será dramaticamente reduzida. A produtividade despencará. Todos estarão condenados à pobreza.
A riqueza física dos ricos está justamente na forma da sua propriedade de bens de capital — que foram criados por meio da poupança e disponibilizados para o uso dos trabalhadores —, os quais possibilitam um aumento da produtividade e, em consequência, um aumento dos salários dos trabalhadores. A redistribuição da propriedade desses bens de capital apenas conduzirá ao seu consumo imediato, impossibilitando-os de criar mais riqueza no futuro.
A riqueza só pode ser criada por meio da poupança e da acumulação de bens de capital. Não existem atalhos para esse processo.
O mesmo raciocínio é válido para uma situação que envolva apenas a redistribuição de dinheiro. Um milionário que tenha quase todo o seu dinheiro distribuído aos pobres, de modo a ficar praticamente com a mesma renda deles, fará apenas com que a população dessa economia esteja indubitavelmente mais pobre no futuro. Os beneficiados por tal redistribuição irão apenas consumir o seu dinheiro — pois isso lhes trará um imediato aumento do seu padrão de vida —, e não mais haverá poupança (abstenção de consumo) nessa sociedade que permita a acumulação de bens de capital. Em vez de postergar o consumo para possibilitar a criação de bens de capital, ocorrerá apenas um intenso consumo presente do capital existente. O Robinson Crusoé rico deu a sua rede e a sua vara de pescar para Sexta-Feira, que as consumiu e deixou ambos com um padrão de vida futuro bem mais reduzido.
A redistribuição de riqueza gera pobreza e perpetua a pobreza. Entretanto, como tal fenômeno não é imediato, ele pode ser implantado durante algum tempo sem que as suas consequências sejam imediatamente sentidas.
Para uma sociedade prosperar, a poupança e a acumulação de capital devem ser incentivadas; jamais devem ser punidas. Sociedades que permitem que as cigarras imponham a sua filosofia às formigas jamais poderão ser ricas.


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