domingo, 15 de março de 2020

Como o livre mercado lidaria com epidemias e quarentenas (Robert P. Murphy)



Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis

Publicado originalmente no ano de 2009.

Com o aumento da histeria governamental e midiática sobre uma possível pandemia de influenza suína ou, popularmente, “gripe suína” (antes, a histeria era por causa da gripe aviária e da SARS) —, algumas correntes levantaram uma discussão interessante: na ausência de autoridades estatais, como o livre mercado cuidaria dessas situações?
Antes, é preciso entender que qualquer governo sempre se beneficia com essas “crises exógenas”, pois elas são o momento propício e perfeito para que os burocratas possam exigir que obedeçamos a todo decreto emergencial que porventura editem. Em qualquer governo, sempre existem vários parasitas entranhados na mais alta burocracia implorando para que algum tipo de lei marcial seja declarada. O governo do México, por exemplo, já adotou essa prática, e vários outros governos estão salivando por essa oportunidade.
Poucos se lembram, mas em 1976 ocorreu exatamente a mesma “epidemia” dessa mesma gripe suína. Na ocasião, o governo americano criou um programa de vacinação que custou enormes somas de dinheiro e, pior, deixou enfermos centenas de americanos que tomaram a vacina, sendo que aqueles que não se submeteram ao processo passaram imunes pela “epidemia”.
No entanto, apesar desse caso e de vários outros exemplos da péssima gerência governamental tanto na saúde quanto em casos de crises epidêmicas, a maioria das pessoas ainda diria: “Sim, sei que o governo não é perfeito, mas doenças contagiosas definitivamente são uma daquelas áreas em que precisamos do governo. O livre mercado funciona para produzir tevês e laptops, mas não para conter epidemias.”
Assim como ocorre com os argumentos em prol de outros programas governamentais, este aqui também sofre de dois simples problemas: falta de informação e falta de imaginação. Se o governo abdicasse da sua função de controlar doenças contagiosas, o público estaria muito mais seguro. 
Primeiro e mais óbvio: o governo restringe a liberdade de associação. Mais especificamente, a liberdade que os proprietários de estabelecimentos têm de proibir que determinados indivíduos adentrem os seus recintos.
No atual ambiente jurídico, empresas aéreas, de ônibus, parques de diversão, hotéis e assim por diante não podem criar e seguir a sua própria lista de pessoas que podem ou não podem adentrar as suas propriedades. Por exemplo, essas empresas não podem hoje criar a sua própria lista de pessoas com doenças contagiosas. Pois, se essas pessoas não são consideradas um risco pelo governo, então elas estão livres para processar qualquer empresa ou dono de estabelecimento que não as permita adentrar o seu recinto.
Portanto, se um determinado indivíduo está com suspeita de tuberculose, porém o governo não o considera um risco, então uma empresa aérea não pode impedir que ele utilize os seus serviços sem o risco de ser processada.
Todavia, suponhamos agora que o governo de fato permitisse que os proprietários tivessem o direito de decidir quem pode e quem não pode utilizar a sua propriedade (que radical!). Quais instituições voluntárias surgiriam para ajudar uma sociedade livre a enfrentar o problema das doenças contagiosas?
Existem dois princípios concorrentes que precisamos considerar. Por um lado, é um mau negócio um estabelecimento excluir potenciais consumidores por motivos de saúde, especialmente se depois for revelado que a exclusão se baseou em informações errôneas. Por outro lado, seria realmente um péssimo negócio para esse estabelecimento ou essa empresa se vários clientes contraíssem de outros clientes alguma doença contagiosa em decorrência de uma supervisão omissa.
Visto que esses empreendedores não estão em posição de fazer tais julgamentos aliás, nem têm a obrigação de possuir os conhecimentos para isso —, eles de bom grado pagariam para que peritos e técnicos da saúde os orientassem a como melhor gerir as suas operações de modo a minimizar os riscos para os seus empregados e clientes.
Com o tempo, por meio dessas consultorias e, principalmente, por meio do mecanismo de lucro e prejuízo , uma fatia eficiente dos recursos seria direcionada para a prevenção de doenças. Afinal, qualquer contágio poderia ser atribuído ao estabelecimento. Nesse cenário, por exemplo, restaurantes self-service teriam “vigias do espirro”, todos os empregados em funções críticas necessariamente usariam luvas, e todos os banheiros teriam portas-sabão.
No entanto, além dessas óbvias salvaguardas, outras mais sofisticadas poderiam surgir. Por exemplo, firmas especializadas em consultoria poderiam montar equipes de especialistas médicos para monitorar o mundo, identificando para as companhias aéreas indivíduos que apresentassem alguma suspeita de doenças contagiosas. Para que esses indivíduos marcados pudessem comprar as suas passagens e embarcar nos aviões, eles primeiro teriam de ser checados pelos clínicos gerais (ou pelos seus próprios médicos, caso estes tenham a sua competência reconhecida pelas companhias aéreas).
Desnecessário dizer, as empresas aéreas não nutririam qualquer interesse em impedir as pessoas de viajar, pois isso significaria prejuízos; da mesma forma, elas não poderiam permitir que passageiros com doenças contagiosas contaminassem outros passageiros, pois isso lhes geraria processos. É sobre esse equilíbrio que elas assim como restaurantes, cinemas, parques e hotéis teriam de trabalhar.
A grande diferença entre mecanismos voluntários e o monopólio dado ao governo sobre o gerenciamento de questões de saúde pública é que no primeiro arranjo existiriam todos os incentivos para se fazer um bom trabalho. Se uma companhia aérea rejeitasse determinados clientes porque a Consultoria Médica A disse que eles tinham tuberculose ou gripe suína quando na verdade estavam sadios, esse vacilo seria péssimo para os negócios. Os concorrentes da Consultoria Médica A (aqueles que tivessem um melhor histórico) iriam propagandear esse fato nos seus panfletos, e a companhia aérea trocaria de equipe médica caso imaginasse que a rival pudesse fazer um trabalho melhor.
Em contraste, o que acontecerá com as agências de vigilância sanitária caso haja alguma pandemia? O seu orçamento será cortado? Cabeças rolarão? É claro que não. Ocorrerá o exato oposto: quando as agências do governo fazem um serviço ineficiente, isso é transformado em prova de que ela está carente de recursos e necessitada de mais dinheiro dos contribuintes.

E EM RELAÇÃO ÀS QUARENTENAS?

A possibilidade de quarentenas é apenas uma aplicação específica das ideias acima. Numa sociedade livre, onde todos os pedaços de terra são propriedade privada de indivíduos, não seria possível uma pessoa ter cassado o seu “direito de andar por aí” simplesmente porque, antes de tudo, não haveria algo como o “direito de andar por aí”.
Mais propriamente: o que poderia acontecer é que, se algum indivíduo fosse considerado um perigo para a saúde pública, todas as agências de saúde que quisessem zelar pela sua reputação o colocariam no topo das suas listas de perigos iminentes e mandariam e-mails, faxes e afins para alertar empresas e proprietários, aconselhando-os a tomarem cuidado com essa pessoa.
Ou poderíamos pensar também em seguradoras, que, para evitar prejuízos, alertariam os seus clientes sobre eventuais ameaças. Esses donos de propriedade provavelmente teriam acordos predeterminados sobre como agir em casos como esses, de modo que a resposta pudesse ser coordenada. 
Empresas privadas não são estúpidas; elas não precisam que o governo lhes dê ordens para manter os leprosos afastados. Se, por exemplo, alguma igreja quiser abrir as suas portas para tal pessoa, isso está perfeitamente dentro do seu direito de propriedade. (Por questão de cortesia, esperaríamos que tal política fosse anunciada para os outros, de modo que eles pudessem escolher não visitar essa instalação.)
Naturalmente, os repositórios finais para esse determinado tipo de pessoa seriam instalações cujos proprietários creem na possibilidade de seguramente conter a doença, evitando a sua dispersão. E o nome comum que as pessoas dariam para essas instalações seria “hospitais”.
Numa sociedade livre, estar sob “quarentena” significaria simplesmente que a maioria dos proprietários (de estradas, calçadas, shopping centers, hotéis, fábricas, etc.) recusaria o acesso de pessoas com doenças contagiosas, de modo que elas teriam poucas opções além das instalações que oferecem tratamento.
Em todo caso, a imagem de fugitivos egocêntricos carregando uma doença altamente contagiosa é um pouco irrealista. No mínimo, essas pessoas estariam colocando em risco as vidas de pessoas das suas próprias famílias e/ou de pessoas que amam. Aqueles que possuem uma doença contagiosa são pessoas também, não desejando que outras fiquem doentes. Ademais, se quiserem ser tratados, tais indivíduos, de um jeito ou de outro, terão de ir a um hospital.

CONCLUSÃO

O livre mercado pode lidar com doenças contagiosas mais eficientemente do que o governo da mesma forma como se sai melhor que o governo quando a questão é a oferta de computadores, carros e produtos agrícolas. A ideia de que devamos dar ao governo o direito de trancafiar uma pessoa só porque ele a classifica como um risco à saúde pública é algo por si só bastante nauseante.

2 comentários:

  1. Ótimo texto, isso só reflete a frase de Friedman que a solução do governo é sempre pior que o problema!

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