sábado, 17 de setembro de 2022

Escravidão Privada vs. Escravidão Pública (Hans-Hermann Hoppe)








A diferença fundamental entre a propriedade privada governamental (de baixa preferência temporal) e a propriedade pública governamental (de alta preferência temporal) pode ser ilustrada pela instituição da escravidão, contrastando os escravos de propriedade privada — conforme existiam, por exemplo, na América antes da guerra — com os escravos de propriedade pública — conforme existiam, por exemplo, na antiga União Soviética e no seu império no Leste Europeu.

Assim como os escravos, na condição de propriedade privada, eram ameaçados com punições caso tentassem fugir, em todo o antigo Império Soviético a emigração foi banida e punida como uma ofensa criminal — caso necessário, aqueles que tentavam fugir eram fuzilados. Além disso, normas antivadiagem existiam em todo lugar, e os governos podiam atribuir qualquer tarefa — bem como todas as recompensas e todas as punições — a qualquer cidadão. Daí a classificação do sistema soviético como escravatura. Entretanto, ao contrário de um proprietário privado de escravos, os donos de escravos da Europa Oriental — de Lênin a Gorbachev — não podiam vender ou alugar os seus súditos em um mercado de trabalho e privadamente apropriar as receitas decorrentes da venda ou do aluguel do seu “capital humano”. Daí a classificação do sistema como escravidão pública (ou socialista).

Sem mercados de escravos e de mão-de-obra escrava, as coisas são ainda piores — e não melhores — para os escravos; inexistindo preços para os escravos e para a sua mão-de-obra, um proprietário de escravos não pode mais alocar racionalmente o seu “capital humano”. Ele não é capaz de determinar o valor e a escassez das suas várias e heterogêneas peças de capital humano; e não pode determinar o custo de oportunidade do uso desse capital em qualquer emprego e muito menos compará-lo com a receita correspondente. Portanto, má alocação, desperdício e “consumo” de capital humano duradouros são os resultados. 

A evidência empírica indica tudo isso. Conquanto ocasionalmente acontecesse o fato de um proprietário privado de escravos matar um escravo seu — o que significa o máximo “consumo” de capital humano —, a escravidão socialista na Europa Oriental resultou no assassinato de milhões de civis. Sob a escravidão de propriedade privada, a saúde e a expectativa de vida dos escravos aumentaram em geral. No Império Soviético, os padrões de saúde deterioraram-se constantemente, e a expectativa de vida realmente caiu nas últimas décadas. O nível de treinamento prático e de educação dos escravos privados aumentou em geral. O dos escravos socialistas diminuiu. A taxa de reprodução entre os escravos de propriedade privada era positiva. Entre as populações de escravos da Europa Oriental, ela era normalmente negativa. Eram altas as taxas de suicídio, de autoincapacitação, de rompimentos familiares, de promiscuidade, de filhos “ilegítimos”, de defeitos congênitos, de doenças venéreas, de aborto, de alcoolismo e de comportamento bruto ou estúpido entre os escravos privados. Mas todas essas taxas de “consumo de capital humano” eram ainda maiores entre os escravos socialistas do antigo Império Soviético. Similarmente, ao passo em que ocorriam comportamentos moralmente absurdos e violentos entre os escravos de propriedade privada após a sua emancipação, o embrutecimento da vida social após a abolição da escravatura socialista foi muito pior, revelando um grau até mesmo superior de degradação moral.

— Hans-Hermann Hoppe, no seu livro Democracia, o Deus que Falhou (capítulo 1)

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