Confira o texto aqui (site do Instituto Rothbard Brasil).
Aqui, o artigo em formato PDF.
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[Trata-se de um capítulo escrito por J. G. Milei publicado
na obra The
Emergence of a Tradition: Essays in Honor of Jesús Huerta de Soto, Volume II:
Philosophy and Political Economy]
Ainda não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente
o professor Jesús Huerta de Soto. Eu, no entanto, já me sinto parte da legião
que o reconhece como um dos grandes gladiadores que defendem as ideias da
liberdade. Soube dele através de um ato de ordem espontânea. Eu, pouco antes, tinha
acabado de publicar com alguns colegas um livro no qual apresentávamos
propostas de política econômica que poderiam evitar o colapso do sistema
argentino; e eu estava apresentando o livro num programa de rádio quando um
ouvinte enviou alguns vídeos para mim. Tratava-se de gravações de uma aula na
qual o professor discorria sobre a maneira como os preços poderiam ser usados na
condição de mecanismo de transmissão de informações e para a coordenação e o ajuste
econômico, o que, por sua vez, tornava evidente como o socialismo era impraticável
— pois, na ausência de
propriedade privada, os preços não podem ser praticados, promovendo-se, assim,
o caos total. Eu imediatamente me tornei seguidor seu. Anos depois, a instituição
Unión Editorial publicou o meu livro Desenmascarando la
Mentira Keynesiana (“Desmascarando a Mentira
Keynesiana”), que foi aceito pelo próprio
Huerta de Soto para publicação dentro da seção que ele dirige. E as coisas boas
não terminariam por aí. Num dia, o professor Bagus me convidou para dar uma
palestra no programa de videoconferência Zoom como parte do curso dele. Eu
estava falando sobre o meu envolvimento com a política quando, de repente,
percebi alguma turbulência na reunião do Zoom. Fiquei surpreso ao ver o
professor Jesús Huerta de Soto, que se juntou à reunião para me cumprimentar e
me parabenizar pelo combate que estou travando na Argentina para fazer com que mais
de cem anos de socialismo sejam deixados para trás. Eu, até hoje, luto para
encontrar as palavras para descrever o quanto fiquei feliz pelo seu gesto,
assim como o quanto sou grato por tudo que aprendi com o professor Jesús Huerta
de Soto.
Palavras-chave:
Socialismo versus Capitalismo; Abordagem
neoclássica; Existência e natureza única do equilíbrio; Ótimo de Pareto versus
Crescimento econômico de Smith; Debate inválido; Avanço socialista.
Neste
capítulo, irei examinar o confronto entre socialismo e liberalismo a partir da
perspectiva neoclássica. A minha tese central é que, mesmo quando podemos
encontrar neoclassicistas genuínos que se identificam como liberais, os estudos
acadêmicos disponíveis sob o paradigma neoclássico se configuram, em última
análise, funcionais ao socialismo.
Para
estabelecer quando e onde ocorreu o desvio neoclássico, precisamos voltar às
origens: Adam Smith (1776), especificamente a sua obra An
Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (“Uma Investigação sobre a
Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”), assim como o modelo
de crescimento econômico implícito nos livros I, II e III dessa obra. Mais
adiante, revisarei o que considero a abordagem pessimista, posição que é derivada
essencialmente de uma refutação malthusiana do otimismo de Adam Smith (Malthus,
1798) proveniente da sua descrição da fábrica de alfinetes (retornos crescentes
de escala).
Uma
vez estabelecidos os termos do debate, iremos analisar a matematização da
economia, o papel de Pareto e o confronto entre Mises e Lange acerca da
controvérsia sobre o socialismo, os pressupostos fundamentais da análise
neoclássica e o modo como as supostas falhas de mercado abriram a caixa de
Pandora da intervenção governamental, favorecendo, assim, o avanço do
socialismo.
— Smith, Malthus e
os Clássicos —
Adam Smith, a Fábrica de Alfinetes, a Mão Invisível e
o Crescimento Econômico
Qual
foi a principal mensagem de Adam Smith? Adam Smith estava tentando explicar por
que os países são ricos e por que eles crescem. Nesse sentido, podemos
encontrar, na sua obra, cinco elementos que desempenham uma função importantíssima
na explicação do seu modelo de crescimento econômico: o primeiro é o papel da
poupança, que é usada para financiar o investimento e propiciar a acumulação de
capital. Essa acumulação de capital possibilita o aumento da eficiência e da
produtividade do trabalho, o que, por sua vez, eleva os salários reais e, dessa
forma, permite que as pessoas alcancem uma condição mais aprimorada de vida.
Além disso, para garantir que a poupança seja utilizada para investimentos da
melhor maneira possível, a intervenção governamental, que sempre atrapalha o
fluxo das atividades econômicas, deve ser minimizada. Na verdade, tudo que o
governo realmente faz é macular o direito de propriedade, distorcendo os sinais
de preços e os cálculos econômicos. É por esse motivo que o socialismo, na sua
essência, destrói os sinais de preços a ponto de impedir o cálculo econômico, provocando
a ruína da economia.
Outro
elemento fundamental analisado por Smith, apesar de ter escrito a sua obra
entre 1766 e 1776, é o papel dos trancos-e-barrancos na inovação tecnológica,
entrelaçado com a ideia de aprendizagem experiencial. Smith essencialmente sustentou
a ideia de que uma pessoa, ao realizar uma atividade, aprende com a experiência;
e a ideia de que, à medida que ela aprende, a sua produtividade aumenta. Ao
mesmo tempo, surgirá a noção subjacente de otimização, desencadeada pelo
incentivo para a produção do máximo possível de bens com a utilização da menor
quantidade possível de esforço. Em consequência, nessa busca por economia de
tempo e esforço durante o aprendizado experiencial, descobre-se um
aprimoramento tecnológico, manifestado como um salto na função de produção (ou
deslocamento ascendente), o que também chamamos de choque tecnológico, salto
tecnológico ou melhoria tecnológica. Ou seja, uma situação em que, com o mesmo
número de horas de trabalho, a produção é muito maior.
Essa
última descrição está alinhada com a moderna teoria do crescimento econômico
(endógeno). Trata-se daquilo que, em termos simples, encontra-se por trás da
parábola da fábrica de alfinetes — ou, falando mais
tecnicamente, da presença de retornos crescentes de escala que propiciam o
crescimento de longo prazo da produção per capita. De fato, o modelo de
Solow-Swan (Solow, 1956), que se baseia no conceito neoclássico de função de
produção (retornos constantes de escala e retornos marginais decrescentes para
cada um dos fatores analisados isoladamente), é incapaz de mostrar uma taxa de
crescimento da produção per capita uma vez que tenha sido atingido o
equilíbrio de crescimento balanceado. Portanto, para evidenciar empiricamente
um crescimento econômico, esse modelo recorre a um truque matemático no qual o
progresso tecnológico se mostra exógeno.
Adam
Smith, por sua vez, não apenas introduziu uma função de produção que poderia
explicar o que aconteceria nos quase 250 anos seguintes à sua obra, mas também dotou
o seu modelo de um processo de tomada de decisões, instrumentado na metáfora da
mão invisível. Sob esse conceito baseado na cooperação social, cada indivíduo,
guiado pelo seu próprio autointeresse, contribui na realidade para a
maximização do bem-estar geral — ou seja, o modelo do
Pai da Economia baseia-se em duas ideias fundamentais: a fábrica de alfinetes
(retornos crescentes de escala) e o conceito da mão invisível (cooperação
social sob ordem espontânea).
Além
disso, a fábrica de alfinetes envolve também o foco nas habilidades e tarefas
exigidas naquela atividade. Adam Smith propõe destacar o que acontece quando o
trabalho é dividido (o que anda de mãos dadas com o processo de cooperação
social implicitado pelo processo de mercado) em diferentes atividades para realizar
um produto final. Smith, assim, emprega um exemplo para explicar que a divisão
do trabalho promove um aumento significativo na produtividade. Nesse contexto,
Smith nos convida a pensar nos resultados de uma pessoa que, em isolamento,
propõe-se a fazer alfinetes. Concentrando-se em todas as dezoito
especializações necessárias para produzir um alfinete, ela poderia
hipoteticamente fazer cerca de vinte alfinetes por dia. Porém, se o trabalho
com as suas respectivas especializações fosse dividido entre dez pessoas, a
produtividade aumentaria para mais de quatro mil alfinetes per capita — isto é, a produtividade seria duzentas vezes maior.
Ao
mesmo tempo, Adam Smith se perguntava até onde esse processo de divisão do
trabalho poderia ir, cuja resposta era que o tamanho do mercado estabelece o
limite da divisão do trabalho, pois: quanta produtividade faria sentido gerar caso
fosse excedida a demanda do mercado? Se a produtividade exceder a demanda do
mercado por alfinetes, o seu preço acabará entrando em colapso, e recursos e
força produtiva serão desperdiçados numa direção não prioritária.
Em resumo:
o que Adam Smith introduz é a questão dos retornos crescentes de escala, algo
que não configura um assunto menor se considerarmos que, a partir do ano 1800,
a população se multiplicou quase sete vezes até o ano 2000 (Maddison, 2007). Tenhamos
em mente que, com o bilhão de habitantes atingido em 1810, Malthus — autor ao
qual irei me referir mais adiante — argumentava que a densidade populacional
levaria o mundo a um colapso resultante de uma fome generalizada. Portanto, é
importante ressaltar o contraste, pois, em toda a realidade, o produto per
capita se multiplicou quase dez vezes (Maddison, 2007) num contexto de
população que se multiplicou por sete. Ou seja, os retornos crescentes são
expostos por um tremendo aumento de produtividade, o qual, computado hoje,
representaria um aumento de cem vezes.
Ao
mesmo tempo, se analisarmos o assunto em termos matemáticos, devemos considerar
que estamos falando de uma função com um formato convexo — ou seja, uma função convexa, que não é o mesmo que um
conjunto convexo. Uma função convexa não é um conjunto convexo, pois, se dois
pontos são unidos, a linha resultante está fora do conjunto de possibilidades
produtivas. Numa função côncava, pelo contrário, se dois pontos são unidos, a
linha está dentro do conjunto de possibilidades produtivas — e, portanto, estamos falando de um conjunto convexo
(Starr, 2011). E, embora não seja intenção minha me debruçar sobre terminologia
matemática, infelizmente todo o programa de pesquisa neoclássico baseado na
maximização restrita colocada num formato matematicamente inadequado nos
permite explicar o desvio neoclássico. Ademais, inclusive para os economistas
que são verdadeiros liberais no seu modo de pensar, o paradigma em questão os
empurra para “a presença de falhas de mercado” de forma a buscar “fundamentos
razoáveis para a intervenção governamental” (Laffont, 1988) — o que, em última análise, coloca em movimento a atividade
de perfuração da crescente máquina de intervenção que Hayek tão claramente
imaginou no seu livro The Road to Serfdom (Hayek, 1944) (“O
Caminho para a Servidão”).
Além
disso, ao examinar a formulação matemática da caixa-de-ferramentas neoclássica,
o conceito da fábrica de alfinetes (pilar metodológico para explicar o
crescimento endógeno) entra em conflito com a ideia da mão invisível, que é um
dos elementos mais maravilhosos apresentados na obra de Adam Smith. Wilfredo
Pareto, assim, iluminado pela força conceitual da brilhante metáfora que
afirmava que cada indivíduo, movido pelos seus próprios interesses — e inclusive de maneira não intencional —, contribui para a maximização do bem-estar geral,
iluminado também pela sua bela contraparte matemática, foi levado a declarar “a
falência da fábrica de alfinetes”, arremetendo a análise econômica para o
caminho obscuro dos retornos marginais decrescentes.
Thomas Malthus,
Retornos Marginais Decrescentes e Pessimismo
Assim,
o otimismo promovido por Adam Smith sofreu a oposição de uma brutal onda de
pessimismo, essencialmente iniciada por Thomas Malthus. O eixo central de
Malthus nessa discussão se baseava na ideia de retornos marginais decrescentes
em vez da consideração de uma função de produção com retornos crescentes de
escala; ou seja, agora a função de produção seria caracterizada por uma função
côncava (e, portanto, o conjunto de produção seria convexo).
Essa
visão do sistema produtivo, aliada àquilo que Malthus chamou de “paixão entre
os sexos”, fez com que ele fosse levado a conclusões errôneas. Esse postulado
sustentava que, quando a população estava abaixo do “nível de equilíbrio”, isso
resultava num número mais significativo de recursos per capita (dada a
maior produtividade marginal do trabalho), o que induzia mais atividade sexual,
a qual fazia o tamanho da população aumentar. Isso prejudicava o mercado de
trabalho, uma vez que o aumento do número de trabalhadores desvalorizava o
salário real por meio da queda na produtividade marginal à medida que o
trabalho aumentava. Naturalmente, esse processo continuaria até que o salário
real caísse para o nível de subsistência. Reciprocamente, se a população aumentasse
acima do nível de equilíbrio, a menor produtividade marginal do trabalho
moveria os salários para abaixo do nível de subsistência, provocando a fome até
que a população diminuísse para o nível de equilíbrio.
Em
última análise, o tamanho da população estaria alinhado com o nível do valor da
produtividade marginal do trabalho (para uma função com retornos marginais
decrescentes) que equivalesse ao salário de subsistência — o que recebeu o nome de Lei de Ferro dos Salários. Finalmente, se ocorresse por
algum motivo um aprimoramento tecnológico, ele seria automaticamente absorvido
por um aumento da população, de modo que o salário real retornaria ao nível de
subsistência.
Na
época de Malthus e com as informações históricas então disponíveis, a hipótese
não parecia ruim porque, entre os anos 0 e 1800 (da era cristã), o produto per
capita crescia a uma taxa de 0,02% ao ano; praticamente nada. Além disso, nesses
1800 anos, esse crescimento do produto per capita significou uma
elevação total de 40%, concentrado principalmente durante o século após o
descobrimento da América, como resultado do aumento do “comércio”
internacional.
Nesse
sentido, se você pedisse a um econometrista que estudasse os dados naquele
momento da história, ele teria rejeitado a hipótese de Adam Smith e concordado com
a possibilidade de que Thomas Malthus estivesse certo. Todavia, quando olhamos
para o que aconteceu depois, percebemos que nada poderia estar mais longe da
verdade. Malthus estava grosseiramente errado, e Smith estava certo. De fato, o
ressurgimento da teoria do crescimento econômico com o artigo de Paul Romer
(Romer, 1986) (pelo qual recebeu o Prêmio Nobel de Economia), resultado da sua
tese em Chicago orientada por Robert Lucas Jr. (um discípulo de Hirofumi Usawa,
criador do modelo de crescimento bisetorial [Usawa, 1961] com
capital humano na década de 1960), não apenas retoma a obra de Adam Smith, mas
também os debates de Young e Marshall do início do século XX, que procuravam
explicar o crescimento econômico no nascente mundo neoclássico. Isso significa
que, no início do século XX e à luz dos dados disponíveis, a teoria dos
retornos crescentes era evidente, e aqueles que defendiam a existência de uma
função de produção com retornos marginais decrescentes eram deixados de fora da
discussão.
— A Tradição Neoclássica e a Origem
do Erro —
Equilíbrio Geral, Otimalidade
de Pareto e a Mão Invisível
Agora,
depois de rever de forma simplificada a controvérsia entre Smith e Malthus (e
todos os seus herdeiros até Solow-Swan), estamos prontos para abordar o motivo pelo
qual a tradição neoclássica acaba sendo funcional para o socialismo e se tornando,
de forma não intencional, cúmplice dos diferentes tipos de modelos keynesianos
na destruição da ordem de mercado, a qual não conduz a nada mais que a ordem
emergente da cooperação social.
Do
meu ponto de vista — e trata-se do
argumento central nesta minha exposição —, o desvio acontece quando, com a introdução da
matemática na economia juntamente com o conceito de otimalidade de Pareto, ocorre
uma tentativa de alinhá-la com a ideia da mão invisível. Inicialmente, “isso não
parece ser uma má ideia”; e na verdade não é uma má ideia para uma economia de
pura troca sem nenhuma produção. Assim, partindo de um dado ponto, o objetivo é
aprimorar as instâncias aprimoráveis para os indivíduos sem provocar pioras para
ninguém; e, quando essas possibilidades de aprimoramento são esgotadas,
exauridas, percebe-se que a otimalidade de Pareto foi atingida. Em outras
palavras, o objetivo é alcançar o máximo de bem-estar social (além da não
insignificante questão da instrumentação), no qual ninguém seria capaz de aprimorar
a sua situação sem afetar negativamente os outros. No entanto, o problema surge
com a sua maior força quando a ideia da otimalidade de Pareto numa economia com
produção é associada à ideia da mão invisível num contexto de otimização
matemática, conceitualmente mal projetada a partir da ligação do setor
produtivo com os indivíduos proprietários dessas empresas.
Formalmente,
do lado dos consumidores, podemos observar a função de utilidade, a qual
apresenta a forma de um sino; e, se você cortasse uma parte dele, seria capaz
de ver ali dentro o mapa de indiferença (as curvas de nível ou indiferença), o que
poderia tomar uma forma semelhante a uma banana ou a uma ferradura de acordo
com as suposições que você deseje fazer em relação aos níveis de satisfação, desde
que você tenha em mente a maximização da função (de tal modo que se permita
encontrar um máximo). Por sua vez, a demanda por bens e a oferta de fatores resultarão
desse sistema. Por outro lado, ao observar a empresa, aparecerá uma função de
produção, com retornos constantes de escala (isto é, lineares) ou com retornos
marginais decrescentes. Quando isso acontece, o lucro pode ser maximizado, e a
demanda por suprimentos e fatores é obtida, derivando a oferta de bens para
maximizar o lucro.
Portanto,
agora com funções (correspondências) que são derivadas de estruturas
maximizadoras, tanto do lado dos consumidores quanto do lado dos produtores, as
funções emergentes de oferta e de demanda (correspondências) são ótimas. Por
sua vez, quando as funções de excesso de demanda (correspondências), que são o
resultado da demanda menos a oferta em cada um dos mercados, têm a
característica de serem funções contínuas (correspondências) (semicontínuo
superior), a soma/subtração de funções contínuas (semicontínuo superior) configura
uma função contínua (semicontínuo superior), de modo que é possível aplicar o Teorema
do Ponto Fixo de Brouwer (Kakutani para correspondências), por meio do qual
se comprova a existência de equilíbrio. Finalmente, se as funções apresentam
determinadas condições, funções estritamente côncavas em consumidores e
produtores, esse equilíbrio é único. Em consequência, o equilíbrio, agora, não só
existe, mas também é único. Aliás, se, além disso, os efeitos diretos são mais
significativos que os efeitos cruzados, esse equilíbrio se configura estável
(Debreu, 1959; Arrow & Hahn, 1971; Starr, 2011).
Naturalmente, visto que as funções (correspondências)
que explicam a existência do equilíbrio estão associadas à maximização de cada
um dos agentes da economia, dos consumidores e das empresas, o equilíbrio geral
resultante também constitui a otimalidade de Pareto. Nenhum indivíduo poderia aprimorar
o seu bem-estar sem causar algum dano a outros. Um mundo “maravilhoso”, exceto
pela sua falta de validade empírica, pois os últimos 250 anos provaram a
existência de retornos crescentes. E é aí que surge “o problema” das não convexidades,
o qual, diante dos danos que elas causam à otimalidade de Pareto, exige a
correção das “falhas de mercado” pelo governo.
Programa de Pesquisa
Neoclássico, Socialismo e Rothbard
É
aqui que surgem dois debates. Por um lado, quando nos aprofundamos na análise
neoclássica, sempre quando o resultado não estiver conforme as restrições
impostas pela matemática da otimização, precisamos entrar no campo das supostas
falhas de mercado, que são basicamente o resultado de (1) não convexidades
(estruturas de mercado concentrado) cuja contraparte matemática são funções com
retornos crescentes (não maximizáveis a menos que uma restrição efetiva seja
aplicada ao conjunto de dotações iniciais); (2) bens públicos; (3) externalidades,
tanto no consumo quanto na produção; e (4) a presença de informações
assimétricas.
Por
outro lado, caso nós nos concentremos no modelo neoclássico de crescimento
econômico de Solow-Swan, como é que seja possível que o processo de acumulação
de capital, de tamanha importância, responda por apenas 15% (Solow, 1957)? A
resposta é que a produtividade e a sua evolução ao longo do tempo estão
relacionadas a retornos de escala. Em outras palavras: como pode ser que a
teoria neoclássica afirme que os monopólios sejam ruins se, durante esse
processo, o nível de pobreza extrema no mundo diminuiu de 95% para 5% em meio a
um aumento de prosperidade sem precedentes na história da humanidade? Isso parece
não fazer sentido algum — e quem consegue
desvendar esse mistério é Murray Rothbard no seu artigo “Monopólio e
Concorrência”, que faz parte do livro Man, Economy and State
(Rothbard, 1962) (“Homem,
Economia e Estado”).
Murray Rothbard, os Danos
dos Monopólios e a Otimalidade
A
rigor, para determinar se os monopólios são ruins ou não, é necessário entender
a sua definição. De acordo com Lord Coke, o monopólio configura um privilégio
especial concedido pelo governo, por meio do qual um setor produtivo específico
é reservado em prol de um determinado indivíduo ou grupo — e onde a participação de outros membros da sociedade
é proibida, imposta pelo aparato repressivo do governo.
Existem,
portanto, apenas duas maneiras de estabelecer preços para os bens. Uma delas é o
jeito do livre mercado, em que os preços são estabelecidos voluntariamente
pelos indivíduos participantes do mercado, beneficiando assim todos aqueles que
realizam trocas. A outra maneira é a intervenção violenta no mercado por meios
hegemônicos, em que os preços são impostos com a exclusão das trocas livres e a
introdução da exploração do homem pelo homem, pois acontece exploração sempre
quando ocorre uma troca submetida à coerção. Em consequência, não importa se há
um fornecedor ou milhões deles; o que é importante é se existe liberdade ou
coerção. Assim, no caso do livre mercado, consumidores e produtores regulam os seus
atos em cooperação voluntária. Portanto, não faz sentido falar em preços
monopolistas (como sinônimos para preços “altos” e restrição da produção)
quando não há coerção e o acesso ao mercado é livre. Nas palavras de Mises
(1952, p. 115): “Se é para alguém levar a culpa pelo fato de o número de participantes
no mercado não ser maior, então aqueles que já estão operando no mercado não
são o alvo, mas sim aqueles que ainda não entraram no mercado.”
Portanto,
não há nada de errado com um monopólio, a menos que ele seja resultado de uma
ação violenta perpetrada pelo governo. De fato, dentro de uma estrutura de
trocas livres, se um produtor é capaz de capturar todo o mercado, ele satisfez
com sucesso as necessidades dos seus semelhantes ao lhes fornecer um produto de
melhor qualidade a um preço mais baixo. Além disso, seria inútil ser o único
vendedor de cubos de gelo na Antártida — ou produzir com exclusividade todo o vinho numa
comunidade de abstêmios. Ademais, mesmo quando uma situação tão extrema pode
não surgir, existe sempre o possível surgimento de um bem substituto que limite
a capacidade de negociar o preço. Portanto, aquele que usa instrumentos
legítimos permaneceu o único produtor; longe de ser um tirano, é na verdade um
benfeitor social; e irá à falência assim que deixar de satisfazer as
necessidades dos seus semelhantes.
Por
outro lado, a existência de monopólios suscita a questão dos retornos
crescentes, o que conduz ao problema da otimalidade de Pareto e, junto com ele,
à possibilidade de uma empresa assumir o controle da economia. Em relação ao
primeiro caso, não é verdadeiro que uma função crescente não possa ser
maximizada quando existe um limite no número de suprimentos. Na verdade, o
lucro máximo seria dado quando a dotação de fatores da economia fosse esgotada,
exaurida. Com base nesse resultado, surge a questão do tamanho do monopólio. No
entanto, essa consideração decorre do desconhecimento da questão da
impossibilidade de aplicação do cálculo econômico: se esse planejamento central
era realmente eficiente, por que não foi estabelecido pelos indivíduos que
buscam lucros no livre mercado? Ademais, o fato de que tal caso nunca foi
voluntariamente constituído, assim como o fato de que o poder coercitivo do
governo é necessário para criá-lo, comprova claramente que esse método de modo
algum seria o mais eficiente para satisfazer as demandas dos indivíduos.
Finalmente,
encontramos o problema em torno da magnitude dos lucros e da destruição de
empregos pela retração das quantidades, caindo naquilo que Bastiat/Hazlitt
definiria como a falácia da janela quebrada. Nesse sentido, se os “monopolistas”
decidissem poupar os seus lucros, tais lucros seriam reinvestidos noutros
setores, gerando, assim, empregos noutro setor. Se os reinvestissem, empregos seriam
criados. Se decidissem consumi-los, empregos seriam criados onde eles
colocassem essa demanda. Se acumulassem o dinheiro ou o destruíssem, a
quantidade nominal de dinheiro cairia até que os equilíbrios reais fossem
restaurados, beneficiando todos na economia. Em consequência, nenhum dano seria
causado à economia enquanto a presença de retornos crescentes constitua uma
fonte de crescimento que eleve o bem-estar. Portanto, a existência de
monopólios num contexto de entrada e saída livres configura uma fonte de
progresso; e a obsessão constante dos políticos em controlá-los só acabará
prejudicando os indivíduos que eles estão tentando auxiliar.
Socialismo versus
Capitalismo em Formato Inválido
Quando
estava na universidade, eu me lembro de uma disciplina chamada “Sistemas
Econômicos Comparados”. Naturalmente, antes de passar às questões empíricas, o
arcabouço teórico incluía uma comparação entre a análise do equilíbrio sob concorrência
perfeita e o “equilíbrio” sob a solução do planejador central socialista.
Todas
as suposições necessárias para derivar um equilíbrio ótimo de Pareto eram
tomadas como ponto de partida. Dessa maneira, as funções de demanda e oferta
(e, portanto, as funções de excesso de demanda) eram determinadas a partir de
formatos específicos para a função de utilidade, para a função de produção e
para as dotações dadas, de modo que o conjunto resultante de funções de excesso
de demanda permitia não apenas encontrar um equilíbrio único e estável, mas
também um ótimo de Pareto. Em outras palavras, um processo descentralizado gerava
um ótimo de Pareto sem a necessidade de intervenção governamental.
Por
outro lado, o caso do planejador central propiciava um ótimo de Pareto. Nessa
fase, o problema torna-se perceptível: parte-se da ideia de que a função de
bem-estar social seja conhecida. Por sua vez, desde que o exercício esteja submetido
à mesma restrição física, presumir uma função de utilidade/bem-estar que
envolva o conhecimento das preferências de todos os indivíduos da economia acerca
de todos os bens da economia significa alcançar um resultado que seja
semelhante não apenas em termos de quantidades ao equilíbrio concorrencial, mas
também que se distribua da mesma maneira; portanto, o equilíbrio sob o planejamento
centralizado permite o mesmo equilíbrio ótimo de Pareto a ser alcançado.
Suponhamos
que, até aqui, ambos os sistemas sejam equivalentes. O problema, agora, é que
os contextos estão sob o conjunto de pressupostos neoclássicos. Quando aparecem
alguns dos problemas mencionados nas seções anteriores, como a não convexidade
(retornos crescentes), isso leva à conclusão de que a produção sob monopólio é
menor que a produção sob concorrência perfeita; como consequência, a economia
se afasta da otimalidade de Pareto, e é aí que surgem as bases para o
intervencionismo. Entretanto, olhando para a análise dos monopólios fora da
perspectiva neoclássica e compreendendo a cooperação social subjacente ao
processo de mercado, tentar interferir com esses monopólios decorrentes das
livres entrada e saída concorrenciais apenas provocará danos. Ademais, existe
um erro adicional ligado à extrapolação de um caso de equilíbrio parcial para
um caso de equilíbrio geral por meio da omissão da existência da substituição
de bens pelos consumidores.
Finalmente,
como se não bastasse o que foi acima mencionado, a presunção do conhecimento da
função de bem-estar geral, a qual envolve saber as preferências de todos os
indivíduos da economia sobre todos os bens da economia — saber a medida “exata” sob a qual eles são combinados
para determinar uma função objetiva que permita alcançar um equilíbrio “ótimo” —, significa cair naquilo que Hayek chamou de
“arrogância fatal”.
Em resumo:
a origem da catástrofe foi a validação de um modelo laboratorial baseado numa
série de postulados irrealistas que acabaram por dar suposta viabilidade à
intervenção violenta nos mercados em busca de um suposto bem-estar máximo que apenas
promove a ruína da economia e da sociedade. É assim que aparecem coletivistas e
falsos vingadores sociais, buscando punir um grupo de pessoas ao lhes roubar os
frutos do seu trabalho para entregá-los a outros.
Ademais,
dentro do modelo acima citado, cabe destacar que, sob a perspectiva
neoclássica, o progresso tecnológico não configura um ótimo de Pareto — e, portanto, sem progresso tecnológico, nenhum
crescimento é possível (Barro & Sala-I-Martin, 2004). Mas, além disso, se
trabalharmos com funções de produção estritamente côncavas, o crescimento
também não pode ser explicado (exceto pelo truque de externalidade do capital
agregado de Marshall/Young). Então, se você possui uma teoria econômica
conceitual no laboratório que não é realmente aplicável na prática, ela não
apenas é inútil, mas o seu uso conduzirá a desastres como o comunismo, o qual é
sempre uma ameaça dentro do círculo vicioso de intervenção que Hayek brilhantemente
descreveu na obra O Caminho para a
Servidão.
Conclusão
O
paradigma neoclássico, baseado na concorrência perfeita, tentando construir um
equilíbrio que existe, que é único e estável, gerando, por sua vez, otimalidade
sob o conceito de Pareto, culminou num abuso da matemática que, em última
análise, acabou por ser funcional ao socialismo. Perceba-se que, sempre quando
surgem situações que não condizem com a estrutura matemática, elas são
consideradas “falhas de mercado”, e é aí que o governo parece corrigir essas
falhas. Entretanto, para resolver com sucesso esse problema, supõe-se que o
governo saiba a função de utilidade de todos os indivíduos (preferências) para
o passado, o presente, o futuro, assim como a taxa de preferência temporal, e
conheça a situação da tecnologia atual e todos os aprimoramentos futuros,
juntamente com as suas respectivas taxas de amortização. Em resumo, para
resolver o problema em questão, o governo deve ser capaz de dominar uma
quantidade significativa de informação que, por definição, os próprios
indivíduos ignoram (ou com a qual não são capazes de lidar) — o que expõe a contradição que é a ideia do estado assistencialista
atuando no mercado para corrigir falhas.
A
contraparte conceitual desse problema é o caso de Robinson Crusoé. Suponha-se
que paremos para refletir sobre isso por um tempo. Nesse caso, perceberemos que
Crusoé, num momento, opera como consumidor e que, noutro, opera como produtor,
iniciando então um processo de tentativa-e-erro que lhe permite encontrar o
vetor de equilíbrio de preços de forma que, no final do dia, ele possa decidir
quanto consome e quanto trabalha — algo que é
obviamente bastante inventado.
Portanto, quando se deixa claro que a correção de
falhas de mercado pelo governo, tal como proposta no paradigma neoclássico, é
conceitualmente inválida, levando-se em consideração que os únicos que podem
internalizar esses efeitos são os indivíduos, uma vez eliminada a separação
artificial dos processos de tomada de decisão, não mais existirá qualquer motivo
para a intervenção governamental — o que não apenas irá
sustar o avanço socialista, mas também irá nos permitir contra-atacar.
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