Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis
Publicado originalmente no ano de 2009.
Com o aumento da histeria
governamental e midiática sobre uma possível pandemia de influenza suína — ou, popularmente, “gripe suína” (antes, a histeria era por causa
da gripe aviária e da SARS) —, algumas correntes
levantaram uma discussão interessante: na ausência de autoridades estatais,
como o livre mercado cuidaria dessas situações?
Antes, é preciso entender que qualquer governo sempre se beneficia
com essas “crises exógenas”, pois elas são o momento propício e perfeito para
que os burocratas possam exigir que obedeçamos a todo decreto emergencial que porventura
editem. Em qualquer governo, sempre existem vários parasitas entranhados na
mais alta burocracia implorando para que algum tipo de lei marcial seja
declarada. O governo do México, por exemplo, já adotou essa prática, e vários
outros governos estão salivando por essa oportunidade.
Poucos se lembram, mas em 1976 ocorreu exatamente a mesma “epidemia”
dessa mesma gripe suína. Na ocasião, o governo americano criou um programa de vacinação
que custou enormes somas de dinheiro e, pior, deixou enfermos centenas de
americanos que tomaram a vacina, sendo que aqueles que não se submeteram ao
processo passaram imunes pela “epidemia”.
No entanto, apesar desse caso
e de vários outros exemplos da péssima gerência governamental tanto na saúde
quanto em casos de crises epidêmicas, a maioria das pessoas ainda diria: “Sim,
sei que o governo não é perfeito, mas doenças contagiosas definitivamente são
uma daquelas áreas em que precisamos do governo. O livre mercado funciona para
produzir tevês e laptops, mas não
para conter epidemias.”
Assim como ocorre com os
argumentos em prol de outros programas governamentais, este aqui também sofre
de dois simples problemas: falta de informação e falta de imaginação. Se o
governo abdicasse da sua função de controlar doenças contagiosas, o público
estaria muito mais seguro.
Primeiro e mais óbvio: o
governo restringe a liberdade de associação. Mais especificamente, a liberdade
que os proprietários de estabelecimentos têm de proibir que determinados
indivíduos adentrem os seus recintos.
No atual ambiente jurídico,
empresas aéreas, de ônibus, parques de diversão, hotéis — e assim por diante — não podem
criar e seguir a sua própria lista de pessoas que podem ou não podem adentrar
as suas propriedades. Por exemplo, essas empresas não podem hoje criar a sua
própria lista de pessoas com doenças contagiosas. Pois, se essas pessoas não
são consideradas um risco pelo governo,
então elas estão livres para processar qualquer empresa ou dono de
estabelecimento que não as permita adentrar o seu recinto.
Portanto, se um determinado
indivíduo está com suspeita de tuberculose, porém o governo não o considera um
risco, então uma empresa aérea não pode impedir que ele utilize os seus
serviços sem o risco de ser processada.
Todavia, suponhamos agora que
o governo de fato permitisse que
os proprietários tivessem o direito de decidir quem pode e quem não pode
utilizar a sua propriedade (que radical!). Quais instituições voluntárias
surgiriam para ajudar uma sociedade livre a enfrentar o problema das doenças
contagiosas?
Existem dois princípios
concorrentes que precisamos considerar. Por um lado, é um mau negócio um
estabelecimento excluir potenciais consumidores por motivos de saúde,
especialmente se depois for revelado que a exclusão se baseou em informações
errôneas. Por outro lado, seria realmente um péssimo negócio para esse
estabelecimento ou essa empresa se vários clientes contraíssem de outros
clientes alguma doença contagiosa em decorrência de uma supervisão omissa.
Visto que esses empreendedores
não estão em posição de fazer tais julgamentos — aliás, nem têm a obrigação de possuir os conhecimentos para isso —, eles de bom grado pagariam para que peritos e técnicos da saúde
os orientassem a como melhor gerir as suas operações de modo a minimizar os
riscos para os seus empregados e clientes.
Com o tempo, por meio dessas
consultorias — e, principalmente, por meio do mecanismo de lucro e prejuízo —, uma fatia eficiente dos recursos seria direcionada para a
prevenção de doenças. Afinal, qualquer contágio poderia ser atribuído ao
estabelecimento. Nesse cenário, por exemplo, restaurantes self-service teriam “vigias do espirro”, todos os empregados em
funções críticas necessariamente usariam luvas, e todos os banheiros teriam
portas-sabão.
No entanto, além dessas óbvias
salvaguardas, outras mais sofisticadas poderiam surgir. Por exemplo, firmas
especializadas em consultoria poderiam montar equipes de especialistas médicos
para monitorar o mundo, identificando para as companhias aéreas indivíduos que
apresentassem alguma suspeita de doenças contagiosas. Para que esses indivíduos
marcados pudessem comprar as suas passagens e embarcar nos aviões, eles
primeiro teriam de ser checados pelos clínicos gerais (ou pelos seus próprios
médicos, caso estes tenham a sua competência reconhecida pelas companhias
aéreas).
Desnecessário dizer, as
empresas aéreas não nutririam qualquer interesse em impedir as pessoas de
viajar, pois isso significaria prejuízos; da mesma forma, elas não poderiam
permitir que passageiros com doenças contagiosas contaminassem outros
passageiros, pois isso lhes geraria processos. É sobre esse equilíbrio que elas
— assim como restaurantes, cinemas, parques e hotéis — teriam de trabalhar.
A grande diferença entre
mecanismos voluntários e o monopólio dado ao governo sobre o gerenciamento de
questões de saúde pública é que no primeiro arranjo existiriam todos os
incentivos para se fazer um bom trabalho. Se uma companhia aérea rejeitasse
determinados clientes porque a Consultoria Médica A disse que eles tinham
tuberculose ou gripe suína quando na verdade estavam sadios, esse vacilo seria
péssimo para os negócios. Os concorrentes da Consultoria Médica A (aqueles que
tivessem um melhor histórico) iriam propagandear esse fato nos seus panfletos,
e a companhia aérea trocaria de equipe médica caso imaginasse que a rival pudesse
fazer um trabalho melhor.
Em contraste, o que acontecerá com as agências de vigilância
sanitária caso haja alguma pandemia? O seu orçamento será cortado? Cabeças
rolarão? É claro que não. Ocorrerá o exato oposto: quando as agências do
governo fazem um serviço ineficiente, isso é transformado em prova de que ela
está carente de recursos e necessitada de mais dinheiro dos contribuintes.
E EM RELAÇÃO ÀS
QUARENTENAS?
A possibilidade de quarentenas é apenas uma aplicação específica
das ideias acima. Numa sociedade livre, onde todos os pedaços de terra são
propriedade privada de indivíduos, não seria possível uma pessoa ter cassado o
seu “direito de andar por aí” — simplesmente
porque, antes de tudo, não haveria algo como o “direito de andar por aí”.
Mais propriamente: o que
poderia acontecer é que, se algum indivíduo fosse considerado um perigo para a
saúde pública, todas as agências de saúde que quisessem zelar pela sua
reputação o colocariam no topo das suas listas de perigos iminentes e mandariam
e-mails, faxes e afins para alertar empresas e proprietários,
aconselhando-os a tomarem cuidado com essa pessoa.
Ou poderíamos pensar também em seguradoras, que, para evitar
prejuízos, alertariam os seus clientes sobre eventuais ameaças. Esses donos de
propriedade provavelmente teriam acordos predeterminados sobre como agir em
casos como esses, de modo que a resposta pudesse ser coordenada.
Empresas privadas não são estúpidas; elas não precisam que o
governo lhes dê ordens para manter os leprosos afastados. Se, por exemplo,
alguma igreja quiser abrir as suas portas para tal pessoa, isso está
perfeitamente dentro do seu direito de propriedade. (Por questão de cortesia,
esperaríamos que tal política fosse anunciada para os outros, de modo que eles
pudessem escolher não visitar essa instalação.)
Naturalmente, os repositórios
finais para esse determinado tipo de pessoa seriam instalações cujos
proprietários creem na possibilidade de seguramente conter a doença, evitando a
sua dispersão. E o nome comum que as pessoas dariam para essas instalações
seria “hospitais”.
Numa sociedade livre, estar
sob “quarentena” significaria simplesmente que a maioria dos proprietários (de
estradas, calçadas, shopping centers,
hotéis, fábricas, etc.) recusaria o acesso de pessoas com doenças contagiosas,
de modo que elas teriam poucas opções além das instalações que oferecem
tratamento.
Em todo caso, a imagem de fugitivos egocêntricos carregando uma
doença altamente contagiosa é um pouco irrealista. No mínimo, essas pessoas
estariam colocando em risco as vidas de pessoas das suas próprias famílias e/ou
de pessoas que amam. Aqueles que possuem uma doença contagiosa são pessoas
também, não desejando que outras fiquem doentes. Ademais, se quiserem ser
tratados, tais indivíduos, de um jeito ou de outro, terão de ir a um hospital.
CONCLUSÃO
O livre mercado pode lidar com
doenças contagiosas mais eficientemente do que o governo — da mesma forma como se sai melhor que o governo quando a questão
é a oferta de computadores, carros e produtos agrícolas. A ideia de que devamos
dar ao governo o direito de trancafiar uma pessoa só porque ele a classifica
como um risco à saúde pública é algo por si só bastante nauseante.
Ótimo texto, isso só reflete a frase de Friedman que a solução do governo é sempre pior que o problema!
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