“Government is essentially the negation of liberty.” — Ludwig von Mises (“O governo é essencialmente a negação da liberdade.”) “The institution of the state establishes a socially legitimized and sanctified channel for bad people to do bad things.” — Murray N. Rothbard (“A instituição do estado estabelece um canal legitimado e ungido para pessoas más fazerem coisas ruins.”) “[The state is] an institution run by gangs of murderers, plunderers, and thieves, surrounded by willing executioners, propagandists, sycophants, crooks, liars, clowns, charlatans, dupes, and useful idiots — an institution that dirties and taints everything it touches.” — Hans-Hermann Hoppe (“[O estado é] uma instituição conduzida por gangues de assassinos, saqueadores e ladrões, tendo à sua volta dispostos executores, propagandistas, patifes, vigaristas, mentirosos, palhaços, charlatões, imbecis e idiotas úteis — uma instituição que suja e macula tudo que toca.”) “Socialismo es todo sistema de agresión institucional contra el libre ejercicio de la acción humana o función empresarial.” — Jesús Huerta de Soto

terça-feira, 15 de novembro de 2022

O Governo Onipotente (Marco Batalha)




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O enfraquecimento do dinheiro torna o poder estatal praticamente ilimitado.


No seu livro Da Aurora à Decadência, o historiador Jacques Barzun identifica a Primeira Guerra Mundial como o ponto crucial para o início da decadência ocidental. Antes, as pessoas podiam viver as suas vidas livremente, colhendo os frutos ou sofrendo as consequências das suas ações. Depois, as pessoas passaram a ver o estado como um ente que satisfaria os seus desejos e as protegeria de más consequências. Social, econômica e politicamente, o papel do estado foi redefinido como o de um gênio da lâmpada. Bastava as pessoas votarem para terem todos os seus desejos atendidos. Um outro historiador, Élie Halévy, também diz que a era das tiranias se iniciou em 1914, com a Primeira Guerra, quando houve uma nacionalização econômica e uma reorganização da sociedade para um modelo coletivista.

Até então, a solidez do dinheiro restringia o tamanho do estado, já que este precisava tributar diretamente as pessoas para se financiar. Depois, com a adoção de um dinheiro fraco, o estado podia comprar alianças e popularidade sem ter de mostrar a conta para a população. Bastava inflacionar a moeda para financiar qualquer esquema que lhe fosse conveniente. Os efeitos só seriam sentidos depois, quando houvesse um aumento generalizado nos preços. Quando isso acontecia, os políticos podiam colocar a culpa em outros entes, como banqueiros, empresários, estrangeiros ou facções políticas rivais. Aliás, o dinheiro fraco é particularmente deletério em uma democracia, na qual os políticos encaram pressões para se reelegerem. Os eleitores tendem a preferir justamente os que prometem almoços grátis impossíveis.

O dinheiro fraco está na raiz das ilusões modernas dos eleitores e dos coitados que tiveram a infelicidade de estudar economia em universidades. Eles acreditam que as ações estatais não têm custos de oportunidade e que o Leviatã pode usar uma varinha-de-condão para moldar a realidade a seu bel-prazer. Seja a redução da pobreza, a oferta de educação “pública, gratuita e de qualidade”, um sistema universal de saúde ou coisas afins , eles acreditam que a lei da oferta e procura pode ser ignorada. Eles vivem em uma terra de sonhos, em que essas demandas não têm custos reais. Eles creem que tudo que seja necessário para atingir esses objetivos é “vontade política” ou “escolher o líder certo” ou “acabar com a corrupção”. Eles ficariam chocados caso descobrissem que políticos não podem conjurar isso do nada.

Agora, imagine se descobrissem que tudo isso precisa ser proporcionado por pessoas reais que têm de acordar cedo para produzir os almoços supostamente grátis. Ainda que nenhum político tenha sido eleito por reconhecer essa realidade, a urna de votação não pode eliminar a escassez dos recursos. Quando o estado oferece algo, não está melhorando a economia está apenas a planejando centralmente, com as terríveis consequências que conhecemos tão bem. O dinheiro fraco foi uma bênção para os déspotas, pois lhes permitiu camuflar os custos do aumento da base monetária. Eles passaram a se financiar via inflação, deixando a conta para a população, que via o seu poder de compra evaporar e não associava isso à expansão monetária. E é isso que experimentamos neste mundo fiduciário em que vivemos.

Não é por acaso que, olhando para os eventos mais tirânicos da história, encontramos o fato de todos ocorrerem sob um sistema monetário controlado pelo estado com mãos-de-ferro e constantemente inflacionado para financiar as operações governamentais. Há uma boa razão pela qual tiranos do porte de Stalin tenham governado em períodos de dinheiro fraco, que era impresso à vontade para viabilizar os seus mandos e desmandos. É a mesmíssima razão pela qual as sociedades que os pariram não promoveram ninguém do mesmo nível quando estavam sob um sistema monetário forte. Note que nenhum desses déspotas enfraqueceu o dinheiro depois de ter assumido o poder. O dinheiro teve de ser enfraquecido antes para que eles pudessem assumi-lo. Com o dinheiro fraco, ficou muito fácil a tomada do poder.

Esse enfraquecimento do dinheiro sempre acontece com promessas de almoços grátis: de  educação, saúde, segurança e todos os tipos de “direitos” possíveis e imagináveis. Um canto de sereia... O dinheiro fraco torna o poder do Leviatã praticamente ilimitado, com consequências terríveis para os indivíduos. A política torna-se o centro das suas vidas, drenando boa parte dos recursos e da energia da sociedade para um jogo de soma-zero, em que os vassalos precisam perder para que os suseranos ganhem. Já um dinheiro sólido por si só limita o poder estatal, permitindo à grande maioria dos indivíduos um alto grau de liberdade nas suas vidas pessoais, qualquer que seja o regime sob o qual vivam. Se o dinheiro é fraco, temos o exato oposto. Com o crescimento do poder estatal, mais e mais liberdades individuais são tolhidas.

Neste momento, vale a pena retornarmos às ideias de John Maynard Keynes para entender as motivações do sistema econômico que ele propõe o sistema sob o qual temos vivido nas últimas décadas. Em um artigo intitulado “O Fim Do Laissez-Faire”, ele descreve como deveria ser o papel do estado. Keynes defende que o estado não deve se preocupar com “coisas triviais como liberdades individuais”, mas sim com o completo controle socioeconômico. Para isso, o estado deve: (1) controlar a moeda e o crédito por meio de uma instituição central; (2) decidir o nível de poupança da sociedade; e (3) determinar o tamanho populacional ideal. Escreve ele:

 

Uma política nacional sobre o tamanho populacional, se maior ou menor que o atual, é de suma importância. Tendo a definido, podemos discutir como colocá-la em prática.

 

Em outras palavras, a concepção keynesiana de estado, da qual vem a doutrina moderna de bancos centrais e que molda a grande maioria dos livros acadêmicos econômicos, origina-se de uma pessoa que queria o estado controlando dois aspectos fundamentais das nossas vidas: primeiro, das decisões econômicas envolvendo dinheiro, crédito, poupança e investimentos, o que implica centralização totalitária da alocação de capital, destruição dos empreendimentos individuais e dependência do governo para a subsistência; e, segundo, controle da qualidade e da quantidade populacional. Só a ponerologia mesmo para explicar isso. Em um sistema assim, o dinheiro deixa de funcionar como um sistema de informação para otimizar a produção e passa a ser um programa de fidelidade ao estado. É nesse sistema que hoje vivemos.


[Este texto baseia-se em um trecho do sétimo capítulo do livro “The Bitcoin Standard”, de Saifedean Ammous.]