(Clique aqui para baixar o texto no formato PDF.)
O enfraquecimento do dinheiro torna o poder estatal praticamente ilimitado.
No seu livro Da Aurora à
Decadência, o historiador Jacques Barzun identifica a Primeira Guerra
Mundial como o ponto crucial para o início da decadência ocidental. Antes, as
pessoas podiam viver as suas vidas livremente, colhendo os frutos — ou sofrendo as consequências — das suas ações. Depois, as pessoas
passaram a ver o estado como um ente que satisfaria os seus desejos e as
protegeria de más consequências. Social, econômica e politicamente, o papel do
estado foi redefinido como o de um gênio da lâmpada. Bastava as pessoas votarem
para terem todos os seus desejos atendidos. Um outro historiador, Élie Halévy,
também diz que a era das tiranias se iniciou em 1914, com a Primeira Guerra,
quando houve uma nacionalização econômica e uma reorganização da sociedade para
um modelo coletivista.
Até então, a solidez do dinheiro
restringia o tamanho do estado, já que este precisava tributar diretamente as
pessoas para se financiar. Depois, com a adoção de um dinheiro fraco, o estado
podia comprar alianças e popularidade sem ter de mostrar a conta para a
população. Bastava inflacionar a moeda para financiar qualquer esquema que lhe
fosse conveniente. Os efeitos só seriam sentidos depois, quando houvesse um
aumento generalizado nos preços. Quando isso acontecia, os políticos podiam
colocar a culpa em outros entes, como banqueiros, empresários, estrangeiros ou
facções políticas rivais. Aliás, o dinheiro fraco é particularmente deletério
em uma democracia, na qual os políticos encaram pressões para se reelegerem. Os
eleitores tendem a preferir justamente os que prometem almoços grátis
impossíveis.
O dinheiro fraco está na raiz das
ilusões modernas dos eleitores e dos coitados que tiveram a infelicidade de
estudar economia em universidades. Eles acreditam que as ações estatais não têm
custos de oportunidade e que o Leviatã pode usar uma varinha-de-condão para
moldar a realidade a seu bel-prazer. Seja a redução da pobreza, a oferta de educação
“pública, gratuita e de qualidade”, um sistema universal de saúde — ou coisas afins —, eles acreditam que a lei da oferta
e procura pode ser ignorada. Eles vivem em uma terra de sonhos, em que essas
demandas não têm custos reais. Eles creem que tudo que seja necessário para
atingir esses objetivos é “vontade política” ou “escolher o líder certo” ou
“acabar com a corrupção”. Eles ficariam chocados caso descobrissem que
políticos não podem conjurar isso do nada.
Agora, imagine se descobrissem que
tudo isso precisa ser proporcionado por pessoas reais — que têm de acordar cedo para
produzir os almoços supostamente grátis. Ainda que nenhum político tenha sido
eleito por reconhecer essa realidade, a urna de votação não pode eliminar a
escassez dos recursos. Quando o estado oferece algo, não está melhorando a
economia — está apenas a
planejando centralmente, com as terríveis consequências que conhecemos tão bem.
O dinheiro fraco foi uma bênção para os déspotas, pois lhes permitiu camuflar
os custos do aumento da base monetária. Eles passaram a se financiar via
inflação, deixando a conta para a população, que via o seu poder de compra
evaporar e não associava isso à expansão monetária. E é isso que experimentamos
neste mundo fiduciário em que vivemos.
Não é por acaso que, olhando para os
eventos mais tirânicos da história, encontramos o fato de todos ocorrerem sob
um sistema monetário controlado pelo estado com mãos-de-ferro e constantemente
inflacionado para financiar as operações governamentais. Há uma boa razão pela qual
tiranos do porte de Stalin tenham governado em períodos de dinheiro fraco, que
era impresso à vontade para viabilizar os seus mandos e desmandos. É a
mesmíssima razão pela qual as sociedades que os pariram não promoveram ninguém
do mesmo nível quando estavam sob um sistema monetário forte. Note que nenhum
desses déspotas enfraqueceu o dinheiro depois de ter assumido o poder. O
dinheiro teve de ser enfraquecido antes para que eles pudessem assumi-lo. Com o
dinheiro fraco, ficou muito fácil a tomada do poder.
Esse enfraquecimento do dinheiro
sempre acontece com promessas de almoços grátis: de educação, saúde,
segurança e todos os tipos de “direitos” possíveis e imagináveis. Um canto de
sereia... O dinheiro fraco torna o poder do Leviatã praticamente ilimitado, com
consequências terríveis para os indivíduos. A política torna-se o centro das
suas vidas, drenando boa parte dos recursos e da energia da sociedade para um
jogo de soma-zero, em que os vassalos precisam perder para que os suseranos
ganhem. Já um dinheiro sólido por si só limita o poder estatal, permitindo à
grande maioria dos indivíduos um alto grau de liberdade nas suas vidas
pessoais, qualquer que seja o regime sob o qual vivam. Se o dinheiro é fraco,
temos o exato oposto. Com o crescimento do poder estatal, mais e mais
liberdades individuais são tolhidas.
Neste momento, vale a pena
retornarmos às ideias de John Maynard Keynes para entender as motivações do
sistema econômico que ele propõe — o sistema sob o qual temos vivido nas últimas décadas. Em um artigo
intitulado “O Fim Do Laissez-Faire”, ele descreve como deveria ser o papel do
estado. Keynes defende que o estado não deve se preocupar com “coisas triviais
como liberdades individuais”, mas sim com o completo controle socioeconômico.
Para isso, o estado deve: (1) controlar a moeda e o crédito por meio de uma
instituição central; (2) decidir o nível de poupança da sociedade; e (3)
determinar o tamanho populacional ideal. Escreve ele:
Uma política nacional sobre o tamanho populacional, se maior ou menor
que o atual, é de suma importância. Tendo a definido, podemos discutir como
colocá-la em prática.
Em outras palavras, a concepção
keynesiana de estado, da qual vem a doutrina moderna de bancos centrais e que
molda a grande maioria dos livros acadêmicos econômicos, origina-se de uma
pessoa que queria o estado controlando dois aspectos fundamentais das nossas
vidas: primeiro, das decisões econômicas envolvendo dinheiro, crédito,
poupança e investimentos, o que implica centralização totalitária da alocação
de capital, destruição dos empreendimentos individuais e dependência do governo
para a subsistência; e, segundo, controle da qualidade e da quantidade
populacional. Só a ponerologia mesmo para explicar isso. Em um sistema assim, o
dinheiro deixa de funcionar como um sistema de informação para otimizar a
produção e passa a ser um programa de fidelidade ao estado. É nesse sistema que
hoje vivemos.
[Este texto baseia-se em um trecho do sétimo capítulo do livro “The Bitcoin Standard”, de Saifedean Ammous.]
Nenhum comentário:
Postar um comentário