(Clique na imagem para melhor
visualização.)
Tradução: Donald Stewart Jr.
Revisão: Marcelo Werlang de Assis
A compreensão dos efeitos da intervenção do
governo nos preços de mercado permite que nós entendamos as causas econômicas
de um evento histórico da maior importância: o declínio da civilização romana.
Não é preciso esclarecer se a organização
econômica do Império Romano poderia ou não ser qualificada como capitalista. De
qualquer forma, não há dúvida de que o Império Romano no século II, o período
dos Antoninos — os “bons imperadores” —, atingira alto grau de divisão do
trabalho e de comércio inter-regional. Diversos centros metropolitanos, um
número considerável de cidades médias e inúmeras pequenas cidades eram as sedes
de uma civilização refinada. Os habitantes dessas aglomerações urbanas eram
abastecidos de alimentos e matérias-primas não apenas pelos distritos rurais
vizinhos, mas também pelas províncias distantes. Uma parte dessas provisões
fluía para as regiões urbanas como renda de ricos proprietários de terras que
residiam nas cidades. Mas uma parte considerável era comprada da população
rural, que, em troca, recebia os produtos fabricados pelos moradores das
cidades.
Ocorria um comércio intenso entre as várias
regiões do império. Havia uma tendência cada vez maior à especialização não
apenas nas indústrias de transformação, mas também na agricultura. As várias
partes do império já não eram mais economicamente autossuficientes; elas se
tornaram interdependentes.
O que provocou a queda do império e a ruína da
sua civilização foi a desintegração dessa interdependência econômica — e não as
invasões bárbaras. Os agressores externos simplesmente se aproveitaram de uma
oportunidade que lhes foi oferecida pelo enfraquecimento interno do império. De
um ponto de vista militar, as tribos que invadiram o império nos séculos IV e V
não eram superiores aos exércitos que as legiões derrotaram facilmente algum
tempo antes. Mas o império mudara; a sua estrutura econômica e social se
tornara medieval.
A liberdade que Roma concedia ao comércio
interno e externo sempre foi limitada.
Em relação ao comércio de cereais e de outros
gêneros de primeira necessidade, ela era ainda mais restrita do que em relação
ao comércio das demais mercadorias. Era considerado injusto e imoral pedir pelo
trigo, pelo azeite e pelo vinho — gêneros de primeira necessidade daquele tempo
— preços maiores do que os habituais, e as autoridades municipais rapidamente
reprimiam o que considerassem especulação. Impedia-se, assim, o desenvolvimento
de um eficiente comércio atacadista dessas mercadorias. A política da annona,
que era equivalente à estatização (municipalização) do comércio de cereais,
pretendia corrigir essa falha; mas os seus efeitos foram bastante
insatisfatórios. Os cereais se tornaram escassos nas aglomerações urbanas, e os
agricultores se queixavam de que o cultivo não era remunerador. A interferência
das autoridades impedia que a oferta se ajustasse a uma crescente demanda.
A “hora da verdade” chegou quando os
imperadores, diante dos distúrbios políticos dos séculos III e IV, resolveram
recorrer à degradação da moeda. A combinação de uma política de preços máximos
com a deterioração da moeda provocou a completa paralisação tanto da produção
quanto do comércio dos gêneros de primeira necessidade, desintegrando a
organização econômica da sociedade. Quanto mais eficaz era o tabelamento de preços
imposto pelas autoridades, maior era o desespero das massas urbanas, as quais
não tinham onde comprar alimentos. O comércio de grãos e de outros gêneros de
primeira necessidade desapareceu por completo. De modo a evitar a morte por
inanição, as pessoas fugiam da cidade para o campo e tentavam produzir, para si
mesmas, cereais, azeite, vinho e tudo aquilo de que mais necessitassem. Por
outro lado, os grandes proprietários rurais reduziram a produção de excedentes
agrícolas e passaram a produzir nos seus domínios — as vilas — os produtos
artesanais de que precisavam. A agricultura em larga escala, já seriamente
comprometida pela ineficiência do trabalho escravo, tornava-se completamente
inviável pela falta de preços compensadores. Os proprietários rurais não
conseguiam mais vender nas cidades; os artesãos urbanos perdiam a sua
clientela. Para o atendimento das suas necessidades, os proprietários rurais
passaram a contratar diretamente os artesãos para trabalharem nas suas vilas.
Eles abandonaram a agricultura em larga escala e se converteram em meros
recebedores de rendas dos seus arrendatários e meeiros. Esses coloni eram
escravos alforriados ou proletários urbanos que voltavam para o campo. As
grandes propriedades rurais foram se tornando cada vez mais autárquicas. As
cidades, o comércio interno e externo e as manufaturas urbanas deixaram de
exercer a sua função econômica. A Itália e as províncias retornaram a um
estágio mais atrasado da divisão social do trabalho. A estrutura econômica da
antiga civilização, que alcançara um nível tão alto, retrocedeu ao que hoje é
conhecido como a organização feudal típica da Idade Média.
Os imperadores se alarmaram com essa situação
que solapava o seu poder militar e financeiro. Mas reagiram de maneira
infrutífera, sem atingir a raiz do mal. A compulsão, a coerção a que recorreram
não podiam reverter a tendência à desintegração social, a qual, pelo contrário,
era causada precisamente pelo excesso de compulsão e coerção. Nenhum
romano tinha consciência do fato de que o processo era provocado pela
interferência do governo nos preços e pela deterioração da moeda. Em vão os
imperadores promulgaram leis contra os moradores, que relicta, civitate
rus habitare maluerit (“abandonavam a cidade, preferindo viver no
campo”). O sistema da leiturgia — serviços públicos que deviam
ser prestados pelos cidadãos ricos — apenas acelerou ainda mais o retrocesso da
divisão do trabalho. As leis que dispunham sobre as obrigações especiais dos
armadores, os navicularii, não conseguiram sustar o declínio da
navegação, da mesma maneira como as leis relativas aos cereais não conseguiram
impedir a escassez de produtos agrícolas nas cidades.
A maravilhosa civilização da antiguidade
desapareceu porque não soube ajustar o seu código moral e o seu sistema jurídico às exigências da economia de mercado. Uma ordem social está fadada a
desaparecer se as ações necessárias ao seu bom funcionamento são rejeitadas
pelos padrões morais, são consideradas ilícitas pelas normas do país e são
punidas pelos juízes e pela polícia. O Império Romano se esfacelou por ter
ignorado o liberalismo e o sistema de livre iniciativa. O intervencionismo
e o seu corolário político, o governo autoritário, destruíram o poderoso
império — da mesma forma como necessariamente desintegrarão e destruirão,
sempre, qualquer entidade social.
Texto retirado do capítulo 30 do livro Ação Humana — Um
Tratado de Economia, de Ludwig Heinrich Edler von Mises.
O último parágrafo do escrito acima merece ser repetido:
Nenhum comentário:
Postar um comentário