“Government is essentially the negation of liberty.” — Ludwig von Mises (“O governo é essencialmente a negação da liberdade.”) “The institution of the state establishes a socially legitimized and sanctified channel for bad people to do bad things.” — Murray N. Rothbard (“A instituição do estado estabelece um canal legitimado e ungido para pessoas más fazerem coisas ruins.”) “[The state is] an institution run by gangs of murderers, plunderers, and thieves, surrounded by willing executioners, propagandists, sycophants, crooks, liars, clowns, charlatans, dupes, and useful idiots — an institution that dirties and taints everything it touches.” — Hans-Hermann Hoppe (“[O estado é] uma instituição conduzida por gangues de assassinos, saqueadores e ladrões, tendo à sua volta dispostos executores, propagandistas, patifes, vigaristas, mentirosos, palhaços, charlatões, imbecis e idiotas úteis — uma instituição que suja e macula tudo que toca.”) “Socialismo es todo sistema de agresión institucional contra el libre ejercicio de la acción humana o función empresarial.” — Jesús Huerta de Soto

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Observações sobre as causas do declínio da civilização romana (Ludwig von Mises)


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Tradução: Donald Stewart Jr.
Revisão: Marcelo Werlang de Assis

A compreensão dos efeitos da intervenção do governo nos preços de mercado permite que nós entendamos as causas econômicas de um evento histórico da maior importância: o declínio da civilização romana.
Não é preciso esclarecer se a organização econômica do Império Romano poderia ou não ser qualificada como capitalista. De qualquer forma, não há dúvida de que o Império Romano no século II, o período dos Antoninos — os “bons imperadores” —, atingira alto grau de divisão do trabalho e de comércio inter-regional. Diversos centros metropolitanos, um número considerável de cidades médias e inúmeras pequenas cidades eram as sedes de uma civilização refinada. Os habitantes dessas aglomerações urbanas eram abastecidos de alimentos e matérias-primas não apenas pelos distritos rurais vizinhos, mas também pelas províncias distantes. Uma parte dessas provisões fluía para as regiões urbanas como renda de ricos proprietários de terras que residiam nas cidades. Mas uma parte considerável era comprada da população rural, que, em troca, recebia os produtos fabricados pelos moradores das cidades.
Ocorria um comércio intenso entre as várias regiões do império. Havia uma tendência cada vez maior à especialização não apenas nas indústrias de transformação, mas também na agricultura. As várias partes do império já não eram mais economicamente autossuficientes; elas se tornaram interdependentes.
O que provocou a queda do império e a ruína da sua civilização foi a desintegração dessa interdependência econômica — e não as invasões bárbaras. Os agressores externos simplesmente se aproveitaram de uma oportunidade que lhes foi oferecida pelo enfraquecimento interno do império. De um ponto de vista militar, as tribos que invadiram o império nos séculos IV e V não eram superiores aos exércitos que as legiões derrotaram facilmente algum tempo antes. Mas o império mudara; a sua estrutura econômica e social se tornara medieval.
A liberdade que Roma concedia ao comércio interno e externo sempre foi limitada.
Em relação ao comércio de cereais e de outros gêneros de primeira necessidade, ela era ainda mais restrita do que em relação ao comércio das demais mercadorias. Era considerado injusto e imoral pedir pelo trigo, pelo azeite e pelo vinho — gêneros de primeira necessidade daquele tempo — preços maiores do que os habituais, e as autoridades municipais rapidamente reprimiam o que considerassem especulação. Impedia-se, assim, o desenvolvimento de um eficiente comércio atacadista dessas mercadorias. A política da annona, que era equivalente à estatização (municipalização) do comércio de cereais, pretendia corrigir essa falha; mas os seus efeitos foram bastante insatisfatórios. Os cereais se tornaram escassos nas aglomerações urbanas, e os agricultores se queixavam de que o cultivo não era remunerador. A interferência das autoridades impedia que a oferta se ajustasse a uma crescente demanda.
A “hora da verdade” chegou quando os imperadores, diante dos distúrbios políticos dos séculos III e IV, resolveram recorrer à degradação da moeda. A combinação de uma política de preços máximos com a deterioração da moeda provocou a completa paralisação tanto da produção quanto do comércio dos gêneros de primeira necessidade, desintegrando a organização econômica da sociedade. Quanto mais eficaz era o tabelamento de preços imposto pelas autoridades, maior era o desespero das massas urbanas, as quais não tinham onde comprar alimentos. O comércio de grãos e de outros gêneros de primeira necessidade desapareceu por completo. De modo a evitar a morte por inanição, as pessoas fugiam da cidade para o campo e tentavam produzir, para si mesmas, cereais, azeite, vinho e tudo aquilo de que mais necessitassem. Por outro lado, os grandes proprietários rurais reduziram a produção de excedentes agrícolas e passaram a produzir nos seus domínios — as vilas — os produtos artesanais de que precisavam. A agricultura em larga escala, já seriamente comprometida pela ineficiência do trabalho escravo, tornava-se completamente inviável pela falta de preços compensadores. Os proprietários rurais não conseguiam mais vender nas cidades; os artesãos urbanos perdiam a sua clientela. Para o atendimento das suas necessidades, os proprietários rurais passaram a contratar diretamente os artesãos para trabalharem nas suas vilas. Eles abandonaram a agricultura em larga escala e se converteram em meros recebedores de rendas dos seus arrendatários e meeiros. Esses coloni eram escravos alforriados ou proletários urbanos que voltavam para o campo. As grandes propriedades rurais foram se tornando cada vez mais autárquicas. As cidades, o comércio interno e externo e as manufaturas urbanas deixaram de exercer a sua função econômica. A Itália e as províncias retornaram a um estágio mais atrasado da divisão social do trabalho. A estrutura econômica da antiga civilização, que alcançara um nível tão alto, retrocedeu ao que hoje é conhecido como a organização feudal típica da Idade Média.
Os imperadores se alarmaram com essa situação que solapava o seu poder militar e financeiro. Mas reagiram de maneira infrutífera, sem atingir a raiz do mal. A compulsão, a coerção a que recorreram não podiam reverter a tendência à desintegração social, a qual, pelo contrário, era causada precisamente pelo excesso de compulsão e coerção. Nenhum romano tinha consciência do fato de que o processo era provocado pela interferência do governo nos preços e pela deterioração da moeda. Em vão os imperadores promulgaram leis contra os moradores, que relicta, civitate rus habitare maluerit (“abandonavam a cidade, preferindo viver no campo”). O sistema da leiturgia — serviços públicos que deviam ser prestados pelos cidadãos ricos — apenas acelerou ainda mais o retrocesso da divisão do trabalho. As leis que dispunham sobre as obrigações especiais dos armadores, os navicularii, não conseguiram sustar o declínio da navegação, da mesma maneira como as leis relativas aos cereais não conseguiram impedir a escassez de produtos agrícolas nas cidades.
A maravilhosa civilização da antiguidade desapareceu porque não soube ajustar o seu código moral e o seu sistema jurídico às exigências da economia de mercado. Uma ordem social está fadada a desaparecer se as ações necessárias ao seu bom funcionamento são rejeitadas pelos padrões morais, são consideradas ilícitas pelas normas do país e são punidas pelos juízes e pela polícia. O Império Romano se esfacelou por ter ignorado o liberalismo e o sistema de livre iniciativa. O intervencionismo e o seu corolário político, o governo autoritário, destruíram o poderoso império — da mesma forma como necessariamente desintegrarão e destruirão, sempre, qualquer entidade social.

Texto retirado do capítulo 30 do livro Ação Humana — Um Tratado de Economia, de Ludwig Heinrich Edler von Mises.
O último parágrafo do escrito acima merece ser repetido:


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