Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis
O mundo é repleto de esnobes. Há
o esnobe da música, que é aquela pessoa que reclama que a maioria das pessoas
prefere Lady Gaga a Stravinsky. Há o esnobe do cinema, que reclama que a
maioria das pessoas prefere filmes de ação a filmes de arte. Há o esnobe da
literatura, que reclama que a maioria das pessoas prefere 50 Tons de Cinza
a Schopenhauer. E há o esnobe da culinária, que reclama que a maioria das
pessoas prefere pizza a um fino sashimi.
Ou seja, qualquer que seja o
assunto debatido, é tentador fazer um julgamento crítico sobre a preferência
dos outros.
O bom economista, ao aprender
economia — e ao absorver as suas lições —, aprende a ser menos esnobe. A sua
análise econômica sempre parte do princípio de que as preferências das pessoas
já estão por elas determinadas: e ele sabe que nada pode fazer quanto a isso. O
bom economista, ao testemunhar uma pessoa pedindo pizza em vez de sashimi, vê
apenas uma pessoa agindo com o intuito de alcançar um objetivo que ela,
subjetivamente, considera ser o melhor. O bom economista é aquele que sabe
deixar de lado as suas preferências pessoais, assim como as suas eventuais
propensões à soberba, para fazer uma análise sem juízo de valor.
Até mesmo termos corriqueiros
como “responsável” ou “irresponsável” estão carregados de juízo de valor. Atividades
que reconhecemos como responsáveis — tais como poupar para a aposentadoria,
evitar riscos para a vida ou para os membros do corpo e ter um estilo de vida
saudável — são comportamentos consistentes com um arranjo específico de
preferências. Uma pessoa que dê mais valor ao futuro do que ao presente (em
termos mais economicistas: alguém que possui uma baixa preferência temporal)
preferirá todos esses comportamentos.
Já atividades que reconhecemos
como irresponsáveis — tais como gastar de maneira perdulária e depravada,
correr risco de morte desnecessariamente, comer porcarias e utilizar drogas — também
são comportamentos consistentes com um arranjo específico de preferências. Uma
pessoa que pensa mais no presente e pouco se importa com o futuro (em termos
mais economicistas: alguém que possui uma alta preferência temporal) será
atraída por algumas dessas atividades.
A ciência econômica nos permite
entender essas diferentes preferências, assim como as suas consequências; mas,
por si só, ela não nos permite fazer juízo de valor; ela não nos permite
determinar se um determinado arranjo de preferências é superior a outro.
A ciência econômica não faz juízo
de valor. O seu objetivo é explicar fenômenos — as suas causas e consequências.
E só. Juízo de valor é tarefa para a filosofia.
É bastante comum que vejamos um
profissional bem-sucedido fazer um juízo crítico a respeito de familiares ou
amigos que preferiram fazer farra em vez estudar e que, por esse motivo, hoje
ganham menos que ele. Porém, ao fazer tal juízo, esse profissional está
cometendo o erro de interpretar as ações dessas pessoas tomando por base as suas
próprias preferências. Fazer farra certamente seria um meio ruim para alcançar
o almejado objetivo do sucesso profissional, mas isso não significa que fazer
farra tenha sido a escolha errada para aqueles que optaram por essa ação.
Com efeito, dado que cada
indivíduo está mais bem informado sobre os seus próprios gostos e interesses do
que terceiros, é perfeitamente factível crer que alguém que escolha a farra
está agindo com a intenção de satisfazer da melhor maneira possível os seus
fins.
O bom economista, pelo fato de estar
treinado para observar as ações de terceiros sem fazer juízo de valor, acaba
sendo mais tolerante na sua vida pessoal. Recentemente, o economista Russ
Roberts disse gostar de “dar dinheiro para os miseráveis principalmente
quando sabe que eles gastarão esse dinheiro com drogas e álcool. Afinal, quando
você está desesperadoramente miserável, drogas e álcool podem ser exatamente
aquilo que você mais quer.” Creio ser seguro presumir que Roberts, um
economista com Ph.D., jamais esteve numa situação tão desesperadora quanto
essa. E, ainda assim, ele demonstra o seu respeito pela autonomia dessas pessoas
e também pela capacidade delas de escolher por si próprias. Ao agir assim, Roberts
demonstra não se preocupar com o conteúdo das escolhas dessas pessoas. O que
ele realmente não está fazendo é projetar as suas próprias preferências
sobre esses indivíduos.
Existe uma corrente da economia
moderna que deseja reintroduzir o juízo de valor a respeito das preferências de
terceiros. Essa corrente é derivada da economia behaviorista (comportamental), a qual tem o objetivo de mostrar que as pessoas
não se comportam “racionalmente” (no sentido neoclássico) ao buscarem os seus
objetivos. De acordo com essa corrente, as pessoas são impulsionadas por vários
erros, por várias influências e propensões.
Armado com as ferramentas de
economia behaviorista, aquele nosso
profissional bem-sucedido poderia alegar que os seus amigos e familiares menos
responsáveis foram, na realidade, vítimas de influências. Ou seja, quando optaram
por farrear em vez de estudar, eles não estavam verdadeiramente agindo com o
intuito de alcançar, da melhor maneira possível, os seus objetivos. Eles
estavam agindo de uma maneira consistente com as suas preferências daquele
momento, mas não estavam atuando de maneira consistente com a sua “verdadeira” preferência,
que seria aquela que os intelectuais seguidores da economia
behaviorista estipularam
ser a melhor.
O erro fundamental desse
raciocínio behaviorista é fácil de ser percebido, mas só é percebido
pelo economista bem treinado: não há nenhuma base teórica para definir qual
comportamento representa os “verdadeiros” melhores interesses de cada
indivíduo.
Se um indivíduo possui vários
arranjos de preferências inconsistentes, como seria possível afirmar que um
arranjo específico seja o “verdadeiro” e que todos os outros sejam “falsos”? É
fácil deixar que as nossas preferências influenciem o nosso julgamento. O
profissional bem-sucedido acredita que estudar em vez de farrear seria a preferência
verdadeira simplesmente porque ele prefere estudar a farrear. O intelectual que
preza a saúde acredita que a sua preferência por salada em vez de por batatas
chips é a preferência verdadeira e, portanto, faz campanha para que as pessoas
comam menos batatas chips e mais salada.
O bom economista deve saber
resistir à tentação de inserir as suas propensões e preferências nas análises
econômicas que realiza. A tolerância criada por essa maneira de pensar é um
valioso efeito colateral do estudo da ciência econômica. Ela anda de mãos dadas
com a noção de que o economista é tanto um estudioso quanto um observador
neutro da sociedade — e não um mecânico ou um médico. É agindo assim que os
bons economistas poderão, um dia, neutralizar aqueles totalitários que desejam
dominar e impor a sua visão de mundo sobre todas as outras pessoas.
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