Revisão: Marcelo Werlang de Assis
A propriedade privada e a ação humana são,
necessariamente e por definição, anteriores ao estado. Antes
de surgir um estado, os indivíduos já agiam; e a noção de propriedade privada
já era intrínseca à ação do indivíduo.
Além de serem anteriores ao estado, pode-se também
dizer com plena certeza que a propriedade privada e a ação humana são a base de
todo o ordenamento jurídico.
O “estado de direito” — isto é, o primado da lei —
não necessita de um estado (governo). Não é necessário haver um governo para existir um estado (uma situação) de direito. Mais ainda: somente sem um estado
seria possível descobrir concorrencialmente qual é o melhor direito — ou seja,
qual seria o melhor ordenamento jurídico.
Contradição
Os defensores da necessidade de existir um governo
para criar e impingir normas caem numa contradição inevitável.
Quando o direito é determinado e impingido pelo
estado, existe apenas um conjunto de legislações criadas pelos próprios legisladores.
Em consequência, existe inevitavelmente um conjunto de normas que o mais forte
impõe sobre o mais fraco.
Para os defensores desse arranjo, o conteúdo das
normas é menos importante que o ato de força por meio do qual essas normas são
impostas; o seu traço distintivo é a coerção — e não a utilidade das normas.
Nada se discute sobre a moralidade e a ética desse arranjo; enfatiza-se apenas
a necessidade de cumpri-lo, não importando os meios utilizados.
Para os defensores do estado, o conteúdo e a
utilidade da norma são menos importantes que a coerção utilizada para impingir
essa norma. Exemplo clássico: uma pessoa quer trabalhar e está voluntariamente
disposta a aceitar um valor salarial abaixo do mínimo estipulado pelo governo.
Ela será proibida de fazê-lo. E os defensores dessa legislação aceitarão todos os tipos de
sanção e punição contra essa pessoa (que ficará sem emprego e renda) e o seu
empregador (que poderá ir para a cadeia). A coerção é mais importante que a
utilidade da norma.
Qual é a incoerência dessa postura? Simples: ao
mesmo tempo em que tais pessoas dão menos importância ao conteúdo e mais à
necessidade de impô-lo à força, elas asseguram que a legislação impingida pelo
estado é a pré-condição para uma sociedade livre: “sem normas não há mercado”,
dizem.
Em outras palavras, os teóricos socialistas do direito
consideram que a sociedade nasce e evolui não das interações voluntárias e
espontâneas dos indivíduos, mas sim das relações coercitivas implementadas por um
hierarca supremo. Sem uma mente consciente, respaldada pela força de um aparato
policial, não haveria normas. E, sem normas, não haveria relações.
A realidade
A realidade, porém, é bastante distinta. A ação humana
livre e a sua propriedade honestamente adquirida devem marcar o começo de toda
a análise teórica e histórica. As relações humanas necessariamente antecedem as
normas. Com efeito, as normas são fruto das relações humanas.
Uma norma nada mais é que uma expectativa de que
outro indivíduo irá agir de uma determinada maneira, expectativa essa que pode
surgir das promessas (ius — “direito” em latim — vem
etimologicamente de iurare, “jurar”) ou dos costumes (isto é, de
comportamentos idênticos do passado).
Se a tese socialista estiver correta — ou seja, se
a propriedade privada realmente só surgiu após a criação de um
ordenamento estatal —, então surge um inevitável problema lógico e cronológico:
Como esse estado nasceu? Como ele obteve as suas receitas tributárias para
pagar o seu aparato policial, os seus funcionários e os seus juízes se não existiam
propriedades a serem tributadas?
Com efeito, os socialistas recorrem a essa teoria
sem sentido unicamente com o intuito de quererem argumentar que a propriedade
privada é um privilégio concedido pelo estado aos indivíduos, graças à sua
legislação e à sua proteção policial. Em consequência, a propriedade seria um
privilégio que está subordinado a todas as eventualidades e alterações que o seu
mantenedor — o estado — queira lhe infligir.
Todavia, conforme dito, a propriedade privada e a ação
humana são necessariamente anteriores ao estado (por uma questão de lógica).
Portanto, pode-se dizer com plena certeza que ambas são a base de todo o
ordenamento jurídico. As normas não criam a sociedade; é a sociedade quem cria
normas, e ela faz isso de maneira contínua e evolutiva. Como disse Paolo
Grossi: “A práxis — atividade humana na sociedade — constrói no dia-a-dia o seu
direito, moldando e modificando conforme as exigências do local e do tempo.”
Aqueles que querem estabelecer uma distinção profunda entre sociedade e direito, criando uma frente autônoma de sabedoria
normativa, esquecem-se de que impedir os indivíduos de criarem o direito a partir
dos seus feitos e das suas interações é o equivalente a impedi-los de agirem.
Portanto, um direito de origem socialista irá inevitavelmente se degenerar numa
sociedade completamente regulamentada e escravizada.
O direito não é um conjunto de mandamentos
revelados, mas sim de práticas previsíveis e úteis para que se alcancem os
objetivos individuais por meio da cooperação humana. O estado, através das suas
legislações coercitivas, pode apenas arrebentar esses laços voluntários e
cooperativos, destruindo na prática a própria instituição jurídica. Da mesma
maneira como o planejamento econômico estatal erradica o mercado, o
planejamento jurídico estatal extermina o direito.
Conclusão
Vale repetir: o “estado de direito” — isto é, o
primado da lei — não requer um estado (governo) para garantir um estado (uma
situação) de direito. Somente sem um estado será possível descobrir
concorrencialmente qual é o melhor direito.
E a conclusão final é: se a propriedade privada e a
liberdade são a origem do direito, então, por definição, um organismo que se
baseia na coerção e na violação permanente da propriedade privada e da
liberdade não pode criar outra coisa senão um direito violentado e corrompido.
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