“Government is essentially the negation of liberty.” — Ludwig von Mises (“O governo é essencialmente a negação da liberdade.”) “The institution of the state establishes a socially legitimized and sanctified channel for bad people to do bad things.” — Murray N. Rothbard (“A instituição do estado estabelece um canal legitimado e ungido para pessoas más fazerem coisas ruins.”) “[The state is] an institution run by gangs of murderers, plunderers, and thieves, surrounded by willing executioners, propagandists, sycophants, crooks, liars, clowns, charlatans, dupes, and useful idiots — an institution that dirties and taints everything it touches.” — Hans-Hermann Hoppe (“[O estado é] uma instituição conduzida por gangues de assassinos, saqueadores e ladrões, tendo à sua volta dispostos executores, propagandistas, patifes, vigaristas, mentirosos, palhaços, charlatões, imbecis e idiotas úteis — uma instituição que suja e macula tudo que toca.”) “Socialismo es todo sistema de agresión institucional contra el libre ejercicio de la acción humana o función empresarial.” — Jesús Huerta de Soto

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O direito vem antes do estado; e a propriedade privada originou o direito (Juan Ramón Rallo)

Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis

A propriedade privada e a ação humana são, necessariamente e por definição, anteriores ao estado. Antes de surgir um estado, os indivíduos já agiam; e a noção de propriedade privada já era intrínseca à ação do indivíduo.
Além de serem anteriores ao estado, pode-se também dizer com plena certeza que a propriedade privada e a ação humana são a base de todo o ordenamento jurídico.
O “estado de direito” — isto é, o primado da lei — não necessita de um estado (governo). Não é necessário haver um governo para existir um estado (uma situação) de direito. Mais ainda: somente sem um estado seria possível descobrir concorrencialmente qual é o melhor direito — ou seja, qual seria o melhor ordenamento jurídico.

Contradição

Os defensores da necessidade de existir um governo para criar e impingir normas caem numa contradição inevitável.
Quando o direito é determinado e impingido pelo estado, existe apenas um conjunto de legislações criadas pelos próprios legisladores. Em consequência, existe inevitavelmente um conjunto de normas que o mais forte impõe sobre o mais fraco.
Para os defensores desse arranjo, o conteúdo das normas é menos importante que o ato de força por meio do qual essas normas são impostas; o seu traço distintivo é a coerção — e não a utilidade das normas. Nada se discute sobre a moralidade e a ética desse arranjo; enfatiza-se apenas a necessidade de cumpri-lo, não importando os meios utilizados.
Para os defensores do estado, o conteúdo e a utilidade da norma são menos importantes que a coerção utilizada para impingir essa norma. Exemplo clássico: uma pessoa quer trabalhar e está voluntariamente disposta a aceitar um valor salarial abaixo do mínimo estipulado pelo governo. Ela será proibida de fazê-lo. E os defensores dessa legislação aceitarão todos os tipos de sanção e punição contra essa pessoa (que ficará sem emprego e renda) e o seu empregador (que poderá ir para a cadeia). A coerção é mais importante que a utilidade da norma.
Qual é a incoerência dessa postura? Simples: ao mesmo tempo em que tais pessoas dão menos importância ao conteúdo e mais à necessidade de impô-lo à força, elas asseguram que a legislação impingida pelo estado é a pré-condição para uma sociedade livre: “sem normas não há mercado”, dizem.
Em outras palavras, os teóricos socialistas do direito consideram que a sociedade nasce e evolui não das interações voluntárias e espontâneas dos indivíduos, mas sim das relações coercitivas implementadas por um hierarca supremo. Sem uma mente consciente, respaldada pela força de um aparato policial, não haveria normas. E, sem normas, não haveria relações.

A realidade

A realidade, porém, é bastante distinta. A ação humana livre e a sua propriedade honestamente adquirida devem marcar o começo de toda a análise teórica e histórica. As relações humanas necessariamente antecedem as normas. Com efeito, as normas são fruto das relações humanas.
Uma norma nada mais é que uma expectativa de que outro indivíduo irá agir de uma determinada maneira, expectativa essa que pode surgir das promessas (ius — “direito” em latim — vem etimologicamente de iurare, “jurar”) ou dos costumes (isto é, de comportamentos idênticos do passado).
Se a tese socialista estiver correta — ou seja, se a propriedade privada realmente só surgiu após a criação de um ordenamento estatal —, então surge um inevitável problema lógico e cronológico: Como esse estado nasceu? Como ele obteve as suas receitas tributárias para pagar o seu aparato policial, os seus funcionários e os seus juízes se não existiam propriedades a serem tributadas?
Com efeito, os socialistas recorrem a essa teoria sem sentido unicamente com o intuito de quererem argumentar que a propriedade privada é um privilégio concedido pelo estado aos indivíduos, graças à sua legislação e à sua proteção policial. Em consequência, a propriedade seria um privilégio que está subordinado a todas as eventualidades e alterações que o seu mantenedor — o estado — queira lhe infligir.
Todavia, conforme dito, a propriedade privada e a ação humana são necessariamente anteriores ao estado (por uma questão de lógica). Portanto, pode-se dizer com plena certeza que ambas são a base de todo o ordenamento jurídico. As normas não criam a sociedade; é a sociedade quem cria normas, e ela faz isso de maneira contínua e evolutiva. Como disse Paolo Grossi: “A práxis — atividade humana na sociedade — constrói no dia-a-dia o seu direito, moldando e modificando conforme as exigências do local e do tempo.”
Aqueles que querem estabelecer uma distinção profunda entre sociedade e direito, criando uma frente autônoma de sabedoria normativa, esquecem-se de que impedir os indivíduos de criarem o direito a partir dos seus feitos e das suas interações é o equivalente a impedi-los de agirem. Portanto, um direito de origem socialista irá inevitavelmente se degenerar numa sociedade completamente regulamentada e escravizada.
O direito não é um conjunto de mandamentos revelados, mas sim de práticas previsíveis e úteis para que se alcancem os objetivos individuais por meio da cooperação humana. O estado, através das suas legislações coercitivas, pode apenas arrebentar esses laços voluntários e cooperativos, destruindo na prática a própria instituição jurídica. Da mesma maneira como o planejamento econômico estatal erradica o mercado, o planejamento jurídico estatal extermina o direito.

Conclusão

Vale repetir: o “estado de direito” — isto é, o primado da lei — não requer um estado (governo) para garantir um estado (uma situação) de direito. Somente sem um estado será possível descobrir concorrencialmente qual é o melhor direito.
E a conclusão final é: se a propriedade privada e a liberdade são a origem do direito, então, por definição, um organismo que se baseia na coerção e na violação permanente da propriedade privada e da liberdade não pode criar outra coisa senão um direito violentado e corrompido.

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