Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo
Werlang de Assis
A velha lei cristã que nos ensina
a tratar com respeito, cortesia e amabilidade as outras pessoas é uma regra
irredutível de conduta individual, uma regra que não possui flexibilidade ou
brechas que permitam interpretações deturpadas. Trata-se de um axioma básico
para que toda cooperação social e toda coexistência humana sejam pacíficas e
produtivas. Com efeito, trata-se de um alicerce indispensável para qualquer
civilização que queira prosperar.
No entanto, é inegável que
estejamos, de maneira inconsciente e gradativa, solapando a rigidez desse
alicerce. E tal procedimento já vem ocorrendo há várias décadas, de modo que
aquele outrora robusto sustentáculo hoje se tornou apenas um pequeno toco não
mais capaz de sustentar com vigor as relações inter-humanas, bem como toda a
vida social.
É verdade que a lei do amor ao
próximo ainda fundamenta grande parte das nossas relações individuais diretas.
Dentro das nossas famílias, praticamos — ou pelo menos nos esforçamos para
praticar — esse mandamento. Nas nossas relações diretas com os parentes próximos
e até mesmo com os vizinhos, nós nos esforçamos para não infligir nenhum dano
sobre eles e sobre as suas famílias. Uma relação amistosa e cordial ainda é
algo mais frequente que uma relação maliciosa e destrutiva. Em todas as nossas
interações sociais, sejam elas associações econômicas ou quaisquer outras
relações casuais, basicamente respeitamos os direitos e a liberdade do nosso
semelhante.
Mas tudo isso se altera quando
entra em cena o estado. Ou, colocando de outra forma, tudo isso se altera
quando vemos no estado uma ferramenta legítima para a imposição e a
consecução das nossas demandas. Com o estado, somos indivíduos
transfigurados. Somos outros. Com esse organismo político, não existe espaço
para a lei do amor ao próximo; não há espaço para a cortesia, para o respeito e
para a amabilidade. Quando agimos utilizando o estado para atender as nossas
demandas políticas, agimos de uma maneira através da qual um indivíduo
minimamente escrupuloso jamais sonharia em agir nas suas relações inter-humanas
diretas. Não existe espaço para a cortesia e para o respeito ao próximo quando
fazemos do estado o sistema canalizador das nossas demandas.
Considere os seguintes exemplos.
Como indivíduos, não pensamos em
extrair, por meio da violência ou da ameaça de violência, nenhuma fatia da
riqueza ou da renda do nosso vizinho. Porém, na vida política, estranhamente
passamos a nos sentir livres e moralmente desimpedidos para (1) extrair boa
parte da sua renda por meio de altas alíquotas de impostos e para (2) controlar
a sua riqueza — e a maneira como ele a investe — por meio de uma multiplicidade
de regulamentações econômicas.
Como pais, não pensamos em coagir
o nosso vizinho para que contribua para a educação dos nossos filhos. Porém,
como membros de um organismo político, recorremos à tributação com o intuito de
coagi-lo a financiar a educação dos nossos rebentos, de modo que tenham
“educação pública, gratuita e de qualidade”. De quebra, isso faz com que nos
sintamos “liberados” das nossas obrigações morais e pessoais para com os nossos
próprios filhos. Alguém que quisesse propositalmente criar uma sociedade de
pais indolentes e negligentes dificilmente teria uma ideia melhor.
Como seres humanos, não pensamos
em surrupiar o nosso vizinho de toda a sua poupança e aposentadoria. Porém,
como seres políticos, defendemos que o valor delas seja brutalmente reduzido
por políticas governamentais de inflação monetária, de crédito fácil e de
empréstimos subsidiados para pessoas e empresas de que gostamos.
Como indivíduos, não pensamos em
encarecer artificialmente aqueles produtos que o nosso vizinho mais pobre
consegue comprar. Porém, como membros do corpo político, consideramos
perfeitamente normal obrigá-lo a pagar mais caro por meio de políticas
governamentais de desvalorização cambial e de imposição de tributos sobre a
importação, as quais visam proteger aquelas empresas ineficientes pelas quais
temos alguma preferência.
Como pessoas caridosas, jamais
pensaríamos em atacar a herança de uma viúva e dos seus órfãos; e jamais
pensaríamos em coagi-los para que nos colocassem como coerdeiros. Porém, como
membros do corpo político, podemos obrigá-los a repassar metade da sua herança
para nós.
Como indivíduos empreendedores,
não cogitamos obrigar os nossos concidadãos que vivem em outras partes do país
a nos auxiliar em nossos empreendimentos locais; porém, como participantes do
sistema político, nós os obrigamos a nos ajudar a alcançar os nossos objetivos
econômicos por meio de subsídios, repasses obrigatórios e outras contribuições
governamentais.
Dois
parâmetros distintos de moralidade
Se homens malvados e violentos
passassem a assediar o nosso vizinho com o intuito de extorquir uma parte da
sua renda (ou toda ela) — ou, simplesmente, se pusessem-se a oprimi-lo de
alguma forma —, nós corajosamente sairíamos em defesa sua. Se ele porventura
ferisse ou até mesmo matasse um dos seus agressores, iríamos absolvê-lo de
qualquer acusação criminosa por ter agido em legítima defesa.
No entanto, se esse mesmo
vizinho, por ter se recusado a ter os seus bens confiscados pelo estado por não
ter pago devidamente os seus impostos, viesse a ferir ou até mesmo a assassinar
em legítima defesa um “representante do estado” que foi à sua propriedade para
confiscá-la, iríamos condená-lo por ter se recusado a abrir mão de parte da sua
riqueza e por, em consequência, ter impedido o governo de utilizá-la para
financiar aqueles programas de que gostamos. E, com toda a nossa fúria e com
todo o nosso desejo de vingança, defenderíamos que o nosso vizinho fosse jogado
numa penitenciária e que por lá ficasse “por um bom tempo”.
Utilizamos dois padrões distintos
de moralidade para mensurar os nossos feitos e as nossas atitudes. Somos
rápidos e severos para condenar os delitos que o nosso vizinho comete. Mas
somos incapazes de julgar com a mesma severidade as nossas próprias ações
quando estas são efetuadas por meio do sistema político.
Condenamos um vizinho quando ele
comete fraude, roubo, esbulho, usurpação, sequestro ou assassinato contra os
nossos semelhantes. No entanto, somos incapazes de fazer um autojulgamento
quando defendemos que o governo confisque a riqueza alheia por meio de impostos;
sequestre aqueles indivíduos que não “pagaram devidamente” esses impostos;
assassine aquelas pessoas que oferecerem resistência a esse sequestro; reduza a
poupança e o poder de compra da população através da impressão de dinheiro
(falsificação); estatize ou assuma forçosamente o controle majoritário de
empresas privadas; e usurpe por meio de regulamentações, de burocracias o
direito dos indivíduos de exercerem atividades econômicas que concorram com as
empresas favoritas do governo.
Duas almas
em nosso peito
Condenamos um indivíduo por
desconsiderar as suas promessas, os seus acordos e os seus contratos; e nos
esforçamos para fazê-lo cumprir as suas obrigações contratuais através de ações
judiciais e de outros meios jurídicos ao nosso dispor. Mas prontamente
condescendemos com práticas governamentais que desprezam promessas e até mesmo
os mais básicos mandamentos éticos. Podemos, inclusive, chegar ao cúmulo de nos
simpatizarmos com políticas explicitamente ilegais e condenar aqueles que são
prejudicados por elas e que agiram em legítima defesa para se protegerem.
A realidade é que temos duas
almas em nosso peito: uma que procura fazer o que é moral e eticamente certo; e
outra que renega a própria existência de padrões morais e éticos. A humanidade
já pagou, está pagando e ainda pagará um enorme preço por ter rejeitado os mais
básicos princípios cristãos do respeito, da cortesia e do amor ao próximo na
esfera da ação política, a qual só faz crescer. O preço foi, é e será pago na
forma de escravidão, guerras e crescentes tensões sociais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário