“Government is essentially the negation of liberty.” — Ludwig von Mises (“O governo é essencialmente a negação da liberdade.”) “The institution of the state establishes a socially legitimized and sanctified channel for bad people to do bad things.” — Murray N. Rothbard (“A instituição do estado estabelece um canal legitimado e ungido para pessoas más fazerem coisas ruins.”) “[The state is] an institution run by gangs of murderers, plunderers, and thieves, surrounded by willing executioners, propagandists, sycophants, crooks, liars, clowns, charlatans, dupes, and useful idiots — an institution that dirties and taints everything it touches.” — Hans-Hermann Hoppe (“[O estado é] uma instituição conduzida por gangues de assassinos, saqueadores e ladrões, tendo à sua volta dispostos executores, propagandistas, patifes, vigaristas, mentirosos, palhaços, charlatões, imbecis e idiotas úteis — uma instituição que suja e macula tudo que toca.”) “Socialismo es todo sistema de agresión institucional contra el libre ejercicio de la acción humana o función empresarial.” — Jesús Huerta de Soto

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

A teoria marxista da exploração não faz nenhum sentido (Juan Ramón Rallo)




Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis

É sabido que Marx popularizou a ideia de que os capitalistas exploram os trabalhadores apropriando-se de uma parte do seu trabalho. O argumento, quando despido de todo o seu linguajar pomposo, é relativamente simples: de acordo com Marx, as mercadorias produzidas pelos trabalhadores são vendidas por um valor que é igual ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las; sendo assim, num mundo justo, cada trabalhador deveria ganhar um salário equivalente ao fruto integral do seu trabalho, isto é, equivalente ao valor exato da mercadoria que produziu. Em consequência, o capitalista, que não efetua trabalho físico, retém para si uma parte do valor desses bens que os trabalhadores produziram, conseguindo fazê-lo graças ao seu monopólio dos meios de produção (esses meios de produção, vale dizer, são bens complementares indispensáveis aos trabalhadores, sem os quais eles nada conseguiriam produzir).
Falando mais especificamente: o capitalista remunera o trabalho com $100 (D); esse trabalho gera mercadorias (M); e essas mercadorias são vendidas por $120 (D’). De acordo com Marx, isso só é possível de ocorrer porque há uma parte do trabalho que não foi remunerada pelo capitalista (D’ menos D), mas que de fato produziu mercadorias com um valor de troca.
Essa diferença é justamente a mais-valia, que é a mensuração exata da “exploração laboral” — ou seja, o trabalhador prestou um serviço para o capitalista e não obteve a devida remuneração.
A solução de Marx? Confiscar os meios de produção da burguesia e repassá-los aos trabalhadores para que possam reter o produto integral do seu trabalho sem que haja intermediários capitalistas que se apropriam de parte do suor do seu rosto.
Existem vários problemas com essa teoria marxista. Em primeiro lugar, ela parte do princípio de que todo o valor de troca de uma mercadoria depende exclusivamente do trabalho incorrido na sua produção (e não da sua utilidade marginal); o fato de que o valor de um bem seja totalmente subjetivo é ignorado pela teoria. Há também uma questão ainda mais problemática, que é a natureza distorcida que Marx atribui ao capital: ele assume que o valor do capital (por exemplo, o valor de uma máquina utilizada na produção de uma mercadoria) também é determinado pelo trabalho que foi incorrido na sua produção; e assume que o valor desse capital se transforma, em função da sua depreciação, no valor da mercadoria final. Trata-se de uma espécie de contabilidade de custos que se dá de acordo com o tempo de trabalho utilizado.
Eis um exemplo dessa teoria. Se uma impressora de livros tem um preço de 100 onças de ouro (porque o tempo de trabalho necessário para fabricá-la foi equivalente a 100 onças de ouro) — e supondo que ela possa imprimir 1.000 livros —, então o valor que ela imputará a cada livro será, segundo a teoria, de 0,1 onça de ouro.
No entanto, na prática, as coisas funcionam exatamente ao contrário: justamente pelo fato de que os consumidores estejam dispostos a pagar pelo menos 0,1 onça de ouro por cada livro, a impressora poderá ter um valor de mercado de 100 onças de ouro. Se, porém, os consumidores passarem a desejar menos livros impressos e passarem a desejar mais livros eletrônicos, então essa mesma impressora — ainda que o tempo de trabalho socialmente necessário para fabricá-la seja o mesmo; ainda que os consumidores sigam demandando livros impressos (só que agora em menor quantidade) — irá se depreciar enormemente.
Estabelecida a correta relação entre o preço dos bens de consumo e o preço dos bens de capital, a questão seguinte passa a ser: visto que uma impressora pode imprimir durante os próximos dez anos 1.000 livros com um valor de mercado de 0,1 onça de ouro cada um, por que então a impressora jamais custará 100 onças de ouro, mas sim muito menos?
Ignoremos os eventuais custos subjacentes, pois não é aí que se encontra a dificuldade, e nos concentremos na questão principal: por que ninguém pagaria hoje 100 onças de ouro por um ativo apenas para receber de volta, ao longo dos próximos dez anos, essas mesmas 100 onças?
Ou de maneira ainda mais completa: por que ninguém pagaria hoje 100 onças de ouro por um ativo apenas para receber de volta (ou talvez nem mesmo receber nada), ao longo dos próximos dez anos, essas mesmas 100 onças?
A resposta é simples: porque 100 onças de ouro hoje não têm o mesmo valor que 100 onças de ouro no futuro. As 100 onças de ouro que você  possui hoje são muito mais valiosas que as 100 onças de ouro que você talvez venha a possuir no futuro.
As onças de ouro em sua posse hoje representam uma capacidade de satisfazer imediatamente eventuais necessidades que possam surgir; ao passo em que as onças de ouro a serem eventualmente recebidas apenas no futuro (e existe a chance de que isso nem ocorra) não conferem essa mesma segurança, muito menos essa mesma capacidade. 
Uma coisa é gastar 100 onças de ouro hoje adquirindo bens de consumo; outra coisa, completamente distinta, é gastar essas mesmas 100 onças num investimento que nos permitirá recuperá-las apenas ao longo dos anos. Sendo assim, o lógico é que compremos a impressora hoje por, digamos, 90 onças de ouro com o intuito de receber 100 onças ao longo dos próximos dez anos — sempre correndo o risco de que tal retorno possa não se concretizar.
Todavia, se o capitalista compra por 90 para receber 100, então ele está obtendo mais-valia. Só que essa mais-valia não está vinculada à exploração do trabalhador, mas sim ao tempo pelo qual o capitalista tem de esperar para auferir essa receita e ao risco que ele tem de assumir ao incorrer nesse processo produtivo. Dito de outra maneira: assim como a mão-de-obra é um fator de produção, o tempo e o risco também o são (se não estamos dispostos a esperar e a assumir riscos, não há como haver produção, por maior que seja a quantidade de trabalho abstrato em que incorramos).
Dado que o capital que é adiantado na forma de salários e na forma de maquinário para os trabalhadores supõe também uma espera e uma assunção de riscos para o capitalista, não seria mais correto dizer que a “mais-valia” do capitalista advém não de um assalto ao trabalhador, mas sim da remuneração desses fatores de produção (tempo e risco)?
Ademais, conforme Marx, bens que requerem o mesmo tempo de trabalho para serem produzidos — seja o tempo de trabalho prestado diretamente pelo trabalhador ou o tempo de trabalho incorrido na fabricação dos meios de produção utilizados — deverão possuir o mesmo valor de troca e, portanto, o mesmo preço. (Vale notar que, na teoria de Marx, preço e valor de troca só coincidem quando os trabalhadores são donos dos meios de produção.) Mas isso simplesmente não faz nenhum sentido.
Suponha que, para a produção de 100.000 toneladas de trigo, sejam necessários 50 anos de trabalho; e que, para a construção de uma casa, também sejam necessários 50 anos de trabalho. De acordo com Marx, desconsiderando-se oscilações de curto prazo, ambos os produtos deveriam ter o mesmo preço — por exemplo, 1.000 onças de ouro.
Logo, se um trabalhador tem 100.000 toneladas de trigo — e outro trabalhador, uma casa —, ambos poderão trocar esses bens entre si. Entretanto, a questão essencial é outra: será que devemos supor que o trabalhador em posse das 100.000 toneladas de trigo esteja disposto a trocá-las pelo direito de receber uma casa daqui a 50 anos?
(Lembre-se de que, conforme Marx, a transação é idêntica: o que está sendo trocado são apenas tempos de trabalho. Contudo, num caso, o fruto de trabalho de 50 anos — 100.000 toneladas de trigo — já está disponível; no outro, a pessoa terá de esperar 50 anos para receber o seu bem.)
A resposta é um óbvio não. Uma coisa é uma casa já produzida ser trocada por 100.000 toneladas de trigo também já produzidas. Isso pode perfeitamente ocorrer. Outra coisa, completamente distinta, é imaginar que essas 100.000 toneladas de trigo serão trocadas hoje por uma casa que só estará disponível daqui a 50 anos. Tal troca simplesmente não ocorrerá, pois possuir uma casa hoje não tem o mesmo valor que possuir uma casa somente daqui a 50 anos.
Apenas estaremos dispostos a comprar a promessa de entrega da moradia se obtivermos um desconto muito grande no seu preço. Por exemplo, se uma casa já construída vale 1.000 onças de ouro, uma casa a ser entregue somente daqui a 50 anos valerá, digamos, 200 onças de ouro. Essa mais-valia (pagar 200 onças hoje para receber 1.000 onças em 50 anos) é exatamente a taxa de juros (matematicamente, equivale a uma taxa anual média de 2,8%).
Utilizando esse mesmo raciocínio, podemos concluir que os capitalistas adiantam bens presentes (salários) aos trabalhadores em troca de receberem, quando o processo de produção estiver finalizado, bens futuros. Existe necessariamente uma diferença de valor entre os bens presentes dos quais os capitalistas abrem mão e os bens futuros que eles receberão (se é que receberão). E essa diferença de valor é a mais-valia. A mais-valia, portanto, não é a apropriação de um tempo de trabalho não remunerado, mas sim o juro derivado do tempo de espera e do risco assumido até que o processo produtivo esteja concluído.
São muitas as pessoas que não entendem corretamente esse conceito de que os capitalistas adiantam bens presentes para receberem, após muito tempo, bens futuros. No entanto, basta verificar os balancetes de qualquer empresa para verificar esse fenômeno. Por exemplo, a General Electric investiu (adiantou) US$685 bilhões para recuperar, na forma de fluxo de caixa anual, aproximadamente US$35 bilhões. Ou seja, os capitalistas da GE abriram mão de US$685 bilhões (e do seu equivalente em bens de consumo que poderiam ter adquirido no presente) para receberem, anualmente, uma receita de US$35 bilhões. Nesse ritmo, serão necessários 20 anos apenas para recuperar todo o capital adiantado. 
A pergunta é: Os capitalistas que adiantam $685 bilhões — que se abstêm de consumi-los e que incorrem em risco para recuperá-los — não deveriam receber nenhuma remuneração por isso? Será que durante os próximos 20 ou 30 anos eles deveriam se contentar apenas em recuperar — isso se tudo der certo — tão-somente os $685 bilhões de que abriram mão, sem receberem remuneração alguma pelo seu tempo de espera e pelo risco em que incorreram?
Em suma, você realmente acredita na equivalência entre ter $1.000 hoje e ter $1.000 apenas daqui a 500 anos (e assumindo zero de inflação de preços), ainda que ambos os valores contenham o mesmo tempo de trabalho?
Pois é exatamente esse o raciocínio por trás de toda a análise marxista da exploração. O que há de errado, portanto, com a teoria da exploração de Marx é que ele não compreende o fenômeno da preferência temporal como uma categoria universal da ação humana.
Os capitalistas, ao adiantarem o seu capital e a sua poupança para todos os seus fatores de produção (pagando os salários da mão-de-obra e comprando maquinário), esperam ser remunerados pelo tempo de espera e pelo risco que assumem. Por outro lado, os trabalhadores, ao receberem o seu salário no presente, estão trocando a incerteza do futuro pelo conforto da certeza do presente.
O fato de o trabalhador não receber o “valor total” da produção futura nada tem a ver com exploração; isso simplesmente reflete a impossibilidade de o ser humano trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um desconto. O pagamento salarial representa bens presentes, ao passo em que os serviços da sua mão-de-obra representam apenas bens futuros.
A relação trabalhista, longe de ser uma situação de exploração, é apenas uma relação de troca entre bens presentes (o capital do capitalista) por bens futuros (os bens que serão produzidos pelos trabalhadores e pelo maquinário utilizado, os quais só estarão disponíveis no futuro).
Böhm-Bawerk expressou tudo isso de maneira bem mais resumida: “Parece-me justo que os trabalhadores cobrem o valor integral dos frutos futuros do seu trabalho; mas não é justo eles cobrarem a totalidade desse valor futuro agora.”

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