Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis
É
sabido que Marx popularizou a ideia de que os capitalistas exploram os
trabalhadores apropriando-se de uma parte do seu trabalho. O argumento, quando
despido de todo o seu linguajar pomposo, é relativamente simples: de acordo com
Marx, as mercadorias produzidas pelos trabalhadores são vendidas por um valor
que é igual ao tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las; sendo
assim, num mundo justo, cada trabalhador deveria ganhar um salário equivalente
ao fruto integral do seu trabalho, isto é, equivalente ao valor exato da
mercadoria que produziu. Em consequência, o capitalista, que não efetua
trabalho físico, retém para si uma parte do valor desses bens que os
trabalhadores produziram, conseguindo fazê-lo graças ao seu monopólio dos meios
de produção (esses meios de produção, vale dizer, são bens complementares
indispensáveis aos trabalhadores, sem os quais eles nada conseguiriam
produzir).
Falando
mais especificamente: o capitalista remunera o trabalho com $100 (D); esse trabalho gera mercadorias (M); e essas mercadorias são vendidas
por $120 (D’). De acordo com Marx,
isso só é possível de ocorrer porque há uma parte do trabalho que não foi
remunerada pelo capitalista (D’ menos D), mas que de fato produziu mercadorias
com um valor de troca.
Essa
diferença é justamente a mais-valia, que é a mensuração exata da “exploração
laboral” — ou seja, o trabalhador prestou um serviço para o capitalista e não
obteve a devida remuneração.
A
solução de Marx? Confiscar os meios de produção da burguesia e repassá-los aos
trabalhadores para que possam reter o produto integral do seu trabalho sem que
haja intermediários capitalistas que se apropriam de parte do suor do seu
rosto.
Existem
vários problemas com essa teoria marxista. Em primeiro lugar, ela parte do
princípio de que todo o valor de troca de uma mercadoria depende exclusivamente
do trabalho incorrido na sua produção (e não da sua utilidade marginal); o fato
de que o valor de um bem seja totalmente subjetivo é ignorado pela teoria. Há
também uma questão ainda mais problemática, que é a natureza distorcida que
Marx atribui ao capital: ele assume que o valor do capital (por exemplo, o
valor de uma máquina utilizada na produção de uma mercadoria) também é
determinado pelo trabalho que foi incorrido na sua produção; e assume que o
valor desse capital se transforma, em função da sua depreciação, no valor da
mercadoria final. Trata-se de uma espécie de contabilidade de custos que se dá
de acordo com o tempo de trabalho utilizado.
Eis
um exemplo dessa teoria. Se uma impressora de livros tem um preço de 100 onças
de ouro (porque o tempo de trabalho necessário para fabricá-la foi equivalente
a 100 onças de ouro) — e supondo que ela possa imprimir 1.000 livros —, então o
valor que ela imputará a cada livro será, segundo a teoria, de 0,1 onça de
ouro.
No
entanto, na prática, as coisas funcionam exatamente ao contrário: justamente pelo
fato de que os consumidores estejam dispostos a pagar pelo menos 0,1 onça de
ouro por cada livro, a impressora poderá ter um valor de mercado de 100 onças
de ouro. Se, porém, os consumidores passarem a desejar menos livros impressos e
passarem a desejar mais livros eletrônicos, então essa mesma impressora — ainda
que o tempo de trabalho socialmente necessário para fabricá-la seja o mesmo; ainda
que os consumidores sigam demandando livros impressos (só que agora em menor
quantidade) — irá se depreciar enormemente.
Estabelecida
a correta relação entre o preço dos bens de consumo e o preço dos bens de
capital, a questão seguinte passa a ser: visto que uma impressora pode imprimir
durante os próximos dez anos 1.000 livros com um valor de mercado de 0,1 onça
de ouro cada um, por que então a impressora jamais custará 100 onças de ouro,
mas sim muito menos?
Ignoremos
os eventuais custos subjacentes, pois não é aí que se encontra a dificuldade, e
nos concentremos na questão principal: por que ninguém pagaria hoje 100 onças
de ouro por um ativo apenas para receber de volta, ao longo dos próximos dez
anos, essas mesmas 100 onças?
Ou
de maneira ainda mais completa: por que ninguém pagaria hoje 100 onças de ouro
por um ativo apenas para receber de volta (ou talvez nem mesmo receber nada),
ao longo dos próximos dez anos, essas mesmas 100 onças?
A
resposta é simples: porque 100 onças de ouro hoje não têm o mesmo valor que 100
onças de ouro no futuro. As 100 onças de ouro que você já possui
hoje são muito mais valiosas que as 100 onças de ouro que você talvez venha
a possuir no futuro.
As
onças de ouro em sua posse hoje representam uma capacidade de satisfazer
imediatamente eventuais necessidades que possam surgir; ao passo em que as
onças de ouro a serem eventualmente recebidas apenas no futuro (e existe a
chance de que isso nem ocorra) não conferem essa mesma segurança, muito menos
essa mesma capacidade.
Uma
coisa é gastar 100 onças de ouro hoje adquirindo bens de consumo; outra coisa,
completamente distinta, é gastar essas mesmas 100 onças num investimento que
nos permitirá recuperá-las apenas ao longo dos anos. Sendo assim, o lógico é
que compremos a impressora hoje por, digamos, 90 onças de ouro com o intuito de
receber 100 onças ao longo dos próximos dez anos — sempre correndo o risco de
que tal retorno possa não se concretizar.
Todavia,
se o capitalista compra por 90 para receber 100, então ele está obtendo
mais-valia. Só que essa mais-valia não está vinculada à exploração do
trabalhador, mas sim ao tempo pelo qual o capitalista tem de esperar para
auferir essa receita e ao risco que ele tem de assumir ao incorrer nesse
processo produtivo. Dito de outra maneira: assim como a mão-de-obra é um fator
de produção, o tempo e o risco também o são (se não estamos dispostos a esperar
e a assumir riscos, não há como haver produção, por maior que seja a quantidade
de trabalho abstrato em que incorramos).
Dado
que o capital que é adiantado na forma de salários e na forma de maquinário
para os trabalhadores supõe também uma espera e uma assunção de riscos para o
capitalista, não seria mais correto dizer que a “mais-valia” do capitalista
advém não de um assalto ao trabalhador, mas sim da remuneração desses fatores
de produção (tempo e risco)?
Ademais,
conforme Marx, bens que requerem o mesmo tempo de trabalho para serem
produzidos — seja o tempo de trabalho prestado diretamente pelo trabalhador ou
o tempo de trabalho incorrido na fabricação dos meios de produção utilizados — deverão
possuir o mesmo valor de troca e, portanto, o mesmo preço. (Vale notar que, na
teoria de Marx, preço e valor de troca só coincidem quando os trabalhadores são
donos dos meios de produção.) Mas isso simplesmente não faz nenhum sentido.
Suponha
que, para a produção de 100.000 toneladas de trigo, sejam necessários 50 anos
de trabalho; e que, para a construção de uma casa, também sejam necessários 50
anos de trabalho. De acordo com Marx, desconsiderando-se oscilações de curto
prazo, ambos os produtos deveriam ter o mesmo preço — por
exemplo, 1.000 onças de ouro.
Logo,
se um trabalhador tem 100.000 toneladas de trigo — e outro trabalhador, uma
casa —, ambos poderão trocar esses bens entre si. Entretanto, a questão
essencial é outra: será que devemos supor que o trabalhador em posse das
100.000 toneladas de trigo esteja disposto a trocá-las pelo direito de receber
uma casa daqui a 50 anos?
(Lembre-se
de que, conforme Marx, a transação é idêntica: o que está sendo trocado são
apenas tempos de trabalho. Contudo, num caso, o fruto de trabalho
de 50 anos — 100.000 toneladas de trigo — já está disponível; no outro, a
pessoa terá de esperar 50 anos para receber o seu bem.)
A
resposta é um óbvio não. Uma coisa é uma casa já produzida ser trocada por
100.000 toneladas de trigo também já produzidas. Isso pode perfeitamente
ocorrer. Outra coisa, completamente distinta, é imaginar que essas 100.000
toneladas de trigo serão trocadas hoje por uma casa que só estará disponível
daqui a 50 anos. Tal troca simplesmente não ocorrerá, pois possuir uma casa
hoje não tem o mesmo valor que possuir uma casa somente daqui a 50 anos.
Apenas
estaremos dispostos a comprar a promessa de entrega da moradia se
obtivermos um desconto muito grande no seu preço. Por exemplo, se uma casa já
construída vale 1.000 onças de ouro, uma casa a ser entregue somente daqui a 50
anos valerá, digamos, 200 onças de ouro. Essa mais-valia (pagar 200 onças hoje
para receber 1.000 onças em 50 anos) é exatamente a taxa de juros
(matematicamente, equivale a uma taxa anual média de 2,8%).
Utilizando
esse mesmo raciocínio, podemos concluir que os capitalistas adiantam bens
presentes (salários) aos trabalhadores em troca de receberem, quando o processo
de produção estiver finalizado, bens futuros. Existe necessariamente uma
diferença de valor entre os bens presentes dos quais os capitalistas abrem mão
e os bens futuros que eles receberão (se é que receberão). E essa diferença de
valor é a mais-valia. A mais-valia, portanto, não é a apropriação de um tempo
de trabalho não remunerado, mas sim o juro derivado do tempo de espera e do
risco assumido até que o processo produtivo esteja concluído.
São
muitas as pessoas que não entendem corretamente esse conceito de que os
capitalistas adiantam bens presentes para receberem, após muito tempo, bens
futuros. No entanto, basta verificar os balancetes de qualquer empresa para
verificar esse fenômeno. Por exemplo, a General Electric investiu (adiantou)
US$685 bilhões para recuperar, na forma de fluxo de caixa anual,
aproximadamente US$35 bilhões. Ou seja, os capitalistas da GE abriram mão de
US$685 bilhões (e do seu equivalente em bens de consumo que poderiam ter
adquirido no presente) para receberem, anualmente, uma receita de US$35
bilhões. Nesse ritmo, serão necessários 20 anos apenas para recuperar todo o
capital adiantado.
A
pergunta é: Os capitalistas que adiantam $685 bilhões — que se abstêm de consumi-los
e que incorrem em risco para recuperá-los — não deveriam receber nenhuma
remuneração por isso? Será que durante os próximos 20 ou 30 anos eles deveriam
se contentar apenas em recuperar — isso se tudo der certo — tão-somente os $685
bilhões de que abriram mão, sem receberem remuneração alguma pelo seu tempo de
espera e pelo risco em que incorreram?
Em
suma, você realmente acredita na equivalência entre ter $1.000 hoje e ter $1.000
apenas daqui a 500 anos (e assumindo zero de inflação de preços), ainda que
ambos os valores contenham o mesmo tempo de trabalho?
Pois
é exatamente esse o raciocínio por trás de toda a análise marxista da
exploração. O que há de errado, portanto, com a teoria da exploração de Marx é
que ele não compreende o fenômeno da preferência temporal como uma categoria
universal da ação humana.
Os
capitalistas, ao adiantarem o seu capital e a sua poupança para todos os seus
fatores de produção (pagando os salários da mão-de-obra e comprando
maquinário), esperam ser remunerados pelo tempo de espera e pelo risco que
assumem. Por outro lado, os trabalhadores, ao receberem o seu salário no
presente, estão trocando a incerteza do futuro pelo conforto da certeza do
presente.
O
fato de o trabalhador não receber o “valor total” da produção futura nada tem a
ver com exploração; isso simplesmente reflete a impossibilidade de o ser humano
trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um desconto. O pagamento
salarial representa bens presentes, ao passo em que os serviços da sua
mão-de-obra representam apenas bens futuros.
A
relação trabalhista, longe de ser uma situação de exploração, é apenas uma
relação de troca entre bens presentes (o capital do capitalista) por bens
futuros (os bens que serão produzidos pelos trabalhadores e pelo maquinário
utilizado, os quais só estarão disponíveis no futuro).
Böhm-Bawerk
expressou tudo isso de maneira bem mais resumida: “Parece-me justo que os
trabalhadores cobrem o valor integral dos frutos futuros do seu trabalho; mas
não é justo eles cobrarem a totalidade desse valor futuro agora.”
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