Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis
Qual é a definição técnica de
estado? O que uma instituição deve ser capaz de fazer para ser classificada
como um estado?
Essa instituição deve ser capaz de
fazer com que todos os conflitos entre os habitantes de um dado território lhe
sejam trazidos para que tome a decisão suprema e dê a sua análise final.
Mais ainda: deve ser capaz de fazer com
que todos os conflitos envolvendo ela própria sejam decididos
por ela ou pelos seus funcionários.
Ou seja, o estado é uma organização que
detém o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito
dentro de um território. Essa organização, por definição, tem o poder de
proibir todos os outros de agirem como julgador supremo.
Baseando-se nessa definição de estado,
é fácil entender por que existe um desejo de controlar um estado: aquele que
detenha o monopólio da arbitragem final dentro de um dado território possui o
poder de fazer as leis. E aquele que pode legislar,
inclusive em causa própria, encontra-se numa posição invejável.
A partir do momento em que passa a
existir uma instituição que detenha o monopólio da tomada suprema de decisões
para todos os casos de conflito, essa instituição também definirá quem está
certo e quem está errado em casos de conflito em que os próprios
membros dessa instituição estejam envolvidos.
Ou seja, ela não apenas é a instituição
que decide quem está certo ou errado em conflitos entre terceiros, mas também é
a instituição que decidirá quem está certo ou errado em casos em que os seus
próprios membros estejam envolvidos.
Uma vez que você percebe esse fato,
então se torna imediatamente óbvio que tal instituição não apenas pode, por si
mesma, provocar conflitos com cidadãos comuns para em seguida decidir a seu favor
quem está certo e quem está errado, como também pode perfeitamente absolver
todos os seus membros que porventura tenham sido flagrados em delito.
Isso pode ser exemplificado
particularmente por órgãos como o Supremo Tribunal Federal (STF). Se um indivíduo
incorrer em algum conflito com uma entidade governamental — ou se algum membro
do aparato estatal for flagrado em delito —, o tomador supremo da decisão —
aquele que decidirá sobre a culpa dos envolvidos — será o Supremo Tribunal, que
nada mais é do que o núcleo da própria instituição que está em julgamento.
Assim, é claro, torna-se fácil prever
qual será o resultado da arbitração desse conflito: o estado sempre estará
certo.
Em consequência, é fácil perceber a
falácia fundamental presente na construção de uma instituição como o estado.
A insustentável defesa do estado
O mais sofisticado argumento em favor
do estado deve ser brevemente examinado. Desde Hobbes, esse argumento tem
sido repetido incessantemente.
Funciona assim: na situação natural das
coisas, antes do estabelecimento de um estado, sobejam os conflitos
permanentes. Todos alegam ter direito a tudo, o que resulta em guerras
intermináveis. Não há como sair dessa situação instável por meio de
acordos; pois, afinal, quem iria fazer cumprir esses
acordos? Sempre que a situação se mostrasse vantajosa, um dos lados (ou
ambos) quebraria o acordo.
Logo, as pessoas reconheceram que há
somente uma solução para o desideratum da paz: o
estabelecimento, por consentimento, de um estado — isto é, de uma entidade
externa e independente, que assumiria a função de fiscal e julgador supremo.
Porém, se essa tese está correta — e os
acordos requerem um fiscal externo que os torne vinculantes —, então um estado
criado por consentimento nunca poderá existir. Pois, para fazer cumprir o
próprio acordo do qual resultará a formação de um estado (tornar esse mesmo
acordo vinculante), um outro fiscal externo, um estado anterior, já teria de
existir. E, para que esse estado tenha podido existir, um outro estado
anterior a ele deveria ter sido postulado, e assim por diante, numa regressão
infinita.
Por outro lado, se aceitarmos que os estados
existem (e é óbvio que existem), então esse próprio fato contradiz a história
hobbesiana. O estado em si surgiu sem a existência de qualquer
fiscal externo. Presumivelmente, na época do suposto acordo, nenhum estado
anterior existia para arbitrar esse acordo.
Ademais, uma vez que um estado criado
por consentimento passa a existir, a ordem social resultante continua sendo
autoimposta. Sem dúvidas, se A e B concordam em algo, esse acordo só pode
ser tornado vinculante por uma entidade externa. Entretanto, o próprio estado não está vinculado da mesma forma a um fiscal
externo.
Não existe absolutamente nenhuma
entidade externa para mediar conflitos entre agentes do estado e súditos do
estado; da mesma forma, não há nenhuma entidade externa para mediar conflitos
entre os próprios agentes do estado ou entre as próprias agências do
estado. Pior ainda: não existe nenhuma entidade externa para punir os próprios
integrantes do estado que incorreram em delito.
Sempre que houver conflitos judiciais
entre o estado e os seus cidadãos, entre uma agência do estado e outra
agência do estado ou, ainda, entre membros do estado, tais acordos serão
mediados apenas pelo próprio estado.
O estado não está vinculado a nada
exceto às suas regras autoimpostas — isto é, às restrições que impõe a si
mesmo. Em relação a si próprio, o estado ainda está na situação natural de
anarquia caracterizada pela autofiscalização e pelo autocontrole, pois não existe
na hierarquia um estado superior que possa vinculá-lo a algo.
Além disso, se aceitarmos a ideia
hobbesiana de que a fiscalização de regras mutuamente consentidas requer uma
entidade externa independente, isso por si só descartaria a hipótese da criação
de um estado. De fato, tal ideia constitui um argumento conclusivo contra a
instituição de um estado — isto é, de um monopolista da arbitração
e da decisão suprema.
Pois teria de existir uma entidade
independente para arbitrar todos os casos que envolvessem algum agente do
estado e a mim (um cidadão privado) — ou que envolvessem apenas agentes do
estado.
Da mesma forma, teria de haver uma
entidade independente para todos os casos que envolvessem conflitos intraestado
(e teria de haver uma outra entidade independente para o caso de conflitos
entre várias entidades independentes).
Todavia, isso significa, é claro, que
tal estado (ou qualquer entidade independente) não seria um estado no sentido
estrito do termo, mas simplesmente uma de várias organizações arbitradoras de
conflitos, operando em ambiente de livre concorrência.
Conclusão
Quase todas as pessoas estão
convencidas de que o estado seja uma instituição necessária. Sendo assim, é
bastante duvidoso que a batalha contra o estado possa ser vencida de maneira
tão fácil quanto parece ser no nível teórico e intelectual.
No entanto, a própria existência do
estado é, em si mesma, uma aberração jurídica. Contra esse fato ainda não foram
apresentados argumentos lógicos.
Portanto, resta-nos apenas nos divertir
um pouco à custa dos nossos oponentes defensores do estado. Para isso, sugiro
que você persistentemente os confronte com a seguinte charada: “Imaginem um
grupo de pessoas sempre alertas à possibilidade de surgimento de conflitos; e
então eis que aparece alguém que proponha, como solução a esse eterno problema
humano, que ele próprio se torne o arbitrador supremo de todos os casos de
conflito, inclusive daqueles em que ele mesmo esteja envolvido.”
Estou certo de que essa pessoa será
considerada um piadista ou alguém mentalmente perturbado. Entretanto, é
exatamente isso que todos os estatistas propõem.
Muito bom.
ResponderExcluirÓtimo
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