Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis
Uma das reações mais comuns à afirmação de que se deve permitir que as
pessoas vivam livres de qualquer interferência política é o argumento de que
muitas pessoas simplesmente não são sábias e sensatas o bastante para
gerenciarem as suas próprias vidas.
Assim, por exemplo, as pessoas não podem ser livres para poupar como
quiserem para a sua aposentadoria — devendo o estado confiscar mensalmente uma
parte da sua renda para poupar por elas — porque não são sábias e sensatas o suficiente
para fazer isso.
Igualmente, as pessoas não podem ser livres para educar os seus filhos
como quiserem (devendo o estado estar no controle da educação); para
escolher os tipos de planos de saúde que desejarem (devendo o estado
regulamentar pesadamente esse setor); para consumir o que quiserem (devendo o
estado proibir vários bens e encarecer os seus preços); para comprar do
estrangeiro os produtos que desejarem (devendo o estado dificultar e encarecer
as importações); para escolher os provedores de internet e de telefonia celular
que quiserem (devendo o estado restringir o acesso das empresas mundiais ao
mercado nacional); ou até mesmo para proteger a sua família (devendo o estado
proibir o acesso dos responsáveis a armas de fogo, inclusive àquelas mais
simples).
Não apenas as pessoas não podem ser livres para decidir sobre esses
assuntos, como também devem ser obrigadas a pagar por tudo isso por meio da
extração compulsória de uma fatia da sua renda.
De novo: os defensores de todo esse intervencionismo estatal alegam que
as pessoas não podem ter tamanha liberdade porque não são sábias e sensatas o
bastante para isso, devendo, portanto, delegar poderes a políticos e
burocratas.
Para agravar a situação, várias pessoas do outro lado debate (nós,
libertários) afirmam que as pessoas deveriam ter toda essa liberdade exatamente porque
são sábias e espertas o suficiente para lidar com todos esses assuntos.
Ambos os lados estão errados nas suas justificativas.
Comecemos com um ponto que talvez seja óbvio: Se os seres humanos não
são sábios o bastante para gerir as suas próprias vidas, por que deveríamos
crer que existam seres humanos sábios o suficiente para gerir a vida dos
outros? O que garantiria, por exemplo, a eleição de um pequeno número de
pessoas genuinamente sábias e sensatas o bastante para gerir não apenas as suas
próprias vidas, mas também as nossas vidas?
E o que garantiria que tais pessoas sejam sábias e sensatas o bastante
para saber o que é bom não só para elas, mas também para todo o resto? Elas teriam
de ser super-humanas.
Logo, o argumento de que “as pessoas não são sábias o bastante e,
portanto, têm de ser controladas por pessoas sábias” pode ser imediatamente
revertido contra os seus defensores.
Todavia, também há problemas com o argumento de que “as pessoas são
sábias o bastante para cuidar de si próprias”. Trata-se de uma questão empírica
saber quão sábias e sensatas as pessoas são em geral — saber se elas realmente
são boas em tomar decisões. As evidências experimentais da psicologia e da
economia comportamental sugerem que a maioria das pessoas está muito distante
da racionalidade perfeita do homo economicus.
Ainda que fosse verdade que somos sábios e sensatos o bastante para
gerir as nossas vidas, isso por acaso também não implicaria que somos sábios e
sensatos o suficiente para gerir a vida dos outros?
Historicamente, o argumento em prol do socialismo e de outras formas
menos abrangentes de intervenção estatal sempre teve como premissa fortes
alegações sobre a racionalidade humana. Se somos sábios e sensatos o bastante
para controlar a natureza, então certamente podemos fazer o mesmo com a
sociedade.
A arrogância fatal
Tais argumentos frequentemente foram feitos em termos de querer o melhor
para a sociedade, com a sincera crença de que seria possível melhorar as
condições de vida daqueles que estão em pior situação ao colocar mais poder de
decisão nas mãos do governo.
No entanto, tamanha confiança nos poderes da razão — aquilo que Hayek
chamou de “a arrogância fatal” — pode se degenerar (como de fato sempre
acontece) na busca pelo poder apenas pelo poder. E isso ocorre tão logo todas
as tentativas de fazer um planejamento social racional fracassam. Ou então isso
pode também desandar em tentativas ainda mais desumanas de controle social,
como a eugenia.
Superestimar a racionalidade humana é uma fórmula que sempre acaba
levando alguns seres humanos a exercerem controle sobre outros seres humanos numa
escala para a qual nenhum ser humano está capacitado.
Portanto, se os seres humanos não são tão bons assim em tomar decisões —
inclusive e especialmente aquelas pessoas com poderes políticos —, então qual
exatamente é o argumento em defesa da liberdade, dado que não podemos dizer que
as pessoas são muito capacitadas para gerir as suas próprias vidas?
Podemos fazer uma distinção entre duas afirmações distintas:
(1) “Sou muito sábio e sensato; logo, sou capaz de gerir a minha própria
vida perfeitamente.”
(2) “Não sei de tudo, nem sempre sou sensato, mas ninguém sabe mais do
que eu sobre como melhor gerir a minha própria vida.”
A primeira afirmação representa uma declaração absoluta sobre a
racionalidade humana. Já a segunda afirmação é uma alegação bem mais modesta,
que diz que, em relação aos outros, sou mais capacitado para tomar as melhores
decisões para mim.
Mas a segunda afirmação ainda ignora aqueles fatores essenciais que
justificam permitir que até mesmo pessoas irracionais e insensatas gerenciem as
suas próprias vidas: se os seres humanos possuem as corretas instituições
econômicas, políticas e sociais, eles são capazes de observar o comportamento
uns dos outros e de determinar quais tipos de comportamento “funcionam” e quais
não. E podem imitar as escolhas daqueles que são bem-sucedidos.
Os processos sociais são processos de aprendizagem; e todos nós nos
tornamos melhores nas nossas vidas ao imitarmos as inovações bem-sucedidas de
terceiros. Os processos evolucionários biológicos e sociais requerem (a) algum
processo por meio do qual a inovação ocorra; (b) alguma maneira de determinar
quais dessas inovações são benéficas; e, então, (c) algum modo de imitar ou
duplicar aquela inovação dos outros. Esses processos de inovação e imitação são
a fonte do progresso tanto no mundo natural quanto no mundo social.
A evolução biológica, obviamente, possui todas essas três. A inovação
ocorre por meio da mutação genética. As mutações que permitem que um gene, um
animal ou um grupo sobreviva são então transmitidas à geração seguinte. A
sobrevivência é o padrão do sucesso. E a transmissão da mutação por meio da
reprodução é o ato de imitação.
O mercado como um processo de aprendizagem
Vemos esse mesmo processo em ação no mercado. Os empreendedores surgem
com uma ideia nova; essa é a parte da inovação. O sistema de lucros e prejuízos
sinaliza ao mercado se um empreendedor teve sucesso ou fracasso em criar valor
para terceiros. Se ele tiver obtido lucro, outros produtores respondem a esses
sinais de lucro entrando nesse específico mercado e produzindo um bem similar. Esse
é o processo econômico de imitação e aprendizado.
Em ambos os processos, o progresso é definido em termos de aprendizado,
e esse aprendizado ocorre ao sermos capazes de identificar as inovações
bem-sucedidas de terceiros e de descobrir uma maneira de imitá-los. O que
constitui o progresso é ser mais bem capacitado para a sobrevivência (na
evolução biológica) ou para a criação de valor para terceiros (no mercado). Daí
a frase espirituosa de que o progresso social ocorre quando “as ideias fazem
sexo”. Um processo similar ocorre na cultura, em que inovações podem ser
reconhecidas e imitadas — esse, aliás, é o conceito original da palavra “meme”.
Individualmente, podemos não saber muito; mas, conjuntamente, com
as instituições corretas, podemos aprender uns com os outros e,
coletivamente, saber muito. Igualmente, você pode ser a pessoa mais esperta da
sua cidade, mas todas as pessoas da sua cidade, quando somadas, são
infinitamente mais espertas que você.
A justificativa para a liberdade humana, portanto, não é que sejamos tão
sábios e sensatos ao ponto de sermos capazes de gerir as nossas próprias vidas
perfeitamente bem, mas sim que não somos tão sábios e sensatos individualmente
e que a única maneira de nos tornarmos mais sábios e sensatos é aprendendo uns
com os outros.
Tal aprendizado requer liberdade para inovar e liberdade para imitar. E
deve envolver algum tipo de processo confiável que seja um indicador de
sucesso. Nenhum de nós sabe o bastante para gerir impecavelmente a própria vida
— nem muito menos para gerir as vidas dos outros. E é exatamente por esse
motivo que precisamos de liberdade — principalmente liberdade econômica — para
experimentar, acertar, errar, ser bem-sucedido, fracassar e imitar os outros
para nos aprimorarmos.
O argumento em prol da liberdade não parte da premissa de que os
indivíduos são altamente racionais e capazes de sempre tomarem as decisões
ótimas. Pelo contrário: o argumento parte da humilde crença que reconhece a existência
de limites reais à nossa racionalidade.
E é essa humildade a base para o argumento em prol da liberdade: a única
maneira de progredirmos consiste em deixar as pessoas livres para inovar e
imitar, criando e aprimorando instituições que forneçam a informação e o
incentivo necessários para mensurar o sucesso e estimular a sua imitação.
É exatamente isso que o livre mercado e a liberdade social fornecem. Não
somos sábios e sensatos o suficiente para criar tal sociedade numa prancheta,
mas podemos facilmente ceder àquele orgulho arrogante capaz de destruir toda a
ordem que faz a liberdade funcionar mesmo em meio à limitada racionalidade que
caracteriza os ocupantes mais avançados do planeta Terra.
O argumento em prol da liberdade é aquilo que aprendemos uns com os
outros — e não aquilo que cada um de nós sabe.
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