Tradução: Leandro Augusto Gomes Roque
Revisão: Marcelo Werlang de Assis
Recentemente, ao entrar num
restaurante, pedi para o garçom que me arrumasse uma mesa na seção de não fumantes.
O garçom respondeu: “Sem problemas. Por lei, todos os restaurantes agora
proíbem o fumo. Pode me acompanhar, por favor.”
O meu primeiro pensamento, enquanto me
encaminhava para a mesa, foi de alívio. “Ótimo! Sem chance de sequer sentir o
cheiro de cigarro. Gosto assim!”
Mas aí, logo em seguida, fui tomado por
um sentimento de vergonha. Percebi que havia me quedado vítima exatamente do
mesmo impulso estatizante que acomete os progressistas de hoje. Por mais de 40
anos, sempre me vi como um defensor apaixonado e inflexível da sociedade livre.
E, no entanto, por alguns breves segundos, cá estava eu sentindo prazer em ver
o governo solapando não apenas uma liberdade empreendedorial (o dono do
estabelecimento estava proibido de sequer ter um ambiente separado para
fumantes), como também a liberdade de adultos consensuais em um arranjo
privado.
Esse incidente me afetou. Por que
escorreguei dessa maneira? Por que o meu primeiro instinto foi o de abandonar
princípios sólidos, pelos quais lutei durante boa parte da minha vida, em troca
de alguns minutos de conveniência?
Pior ainda: se um indivíduo
comprometido com a liberdade como eu foi tão facilmente seduzido para o mau caminho,
como então querer que aquelas pessoas que não estão comprometidos não caiam em
tentações similares ou ainda mais pavorosas?
De início, procurei uma forma de
suavizar a minha falha. Pensei em todos os malefícios, tão propagados por
médicos, do fumo passivo. Talvez, quem sabe, não seja errado o governo proteger
os não fumantes caso haja alguém impondo uma danosa externalidade. Entretanto,
rapidamente percebi duas contradições: ninguém me obrigou a entrar naquele
restaurante; e o restaurante não pertencia ao governo nem a mim.
O fato inegável é que, numa sociedade
genuinamente livre, o proprietário de um estabelecimento privado que deseje
permitir que algumas pessoas fumem no seu estabelecimento tem tanto direito de
permitir esse ato quanto eu tenho de não entrar no recinto dele e de, em vez
disso, ir para outro lugar.
Ninguém é obrigado a entrar num
restaurante cujo proprietário permita o fumo. Ponto. E nenhum indivíduo tem o
direito de obrigar outro indivíduo a lhe fornecer um restaurante livre de
fumaça de cigarro. Isso não é um direito natural.
Ademais, conheço vários outros
comportamentos arriscados que adultos praticam de maneira livre e voluntária,
os quais eu jamais pediria que o governo banisse: paraquedismo e bungee-jumping são apenas dois deles. Aliás,
estatísticas mostram que frequentar escolas públicas em periferias violentas
também é uma prática extremamente arriscada — talvez mais arriscada do que
ocasionalmente inalar a fumaça de cigarro de outra pessoa.
Veja como este caminho é traiçoeiro. Tão
logo você aceita que seja correto o governo ditar quais atividades uma pessoa
pode fazer, qual é o limite? Muitas pessoas leem livros realmente nefastos. Deveríamos
então proibi-las disso? Um progressista irá apoiar a proibição governamental de
livros de ideologia socialista com o intuito de proteger a mente das pessoas?
Aplicar e zelar por direitos de
propriedade (tanto sobre o seu corpo quanto sobre os bens físicos que você
possui) produz regras comportamentais muito mais precisas e previsíveis para
uma sociedade civilizada. Em vez de decretar normas que coercitivamente ajustem
o nosso comportamento à maneira que um burocrata do governo julgue ser a mais
apropriada, não faria mais sentido definir direitos de propriedade e então impingi-los?
Que se permitam as interações pacíficas
e voluntárias; e que se punam somente aquelas ações que agridam os direitos e a
propriedade de terceiros. Frequentar um restaurante sem cheiro de cigarro não é
um direito. Por outro lado, se o proprietário do estabelecimento determinou que
ali não é permitido fumar, o fumante não pode fazê-lo. Qual é a dificuldade?
O problema é que, quanto mais as coisas
se tornam “socializadas”, mais invasivo e intrusivo o estado irá
necessariamente se tornar. Por exemplo, se existe um sistema de saúde estatal,
no qual todo mundo paga pela saúde de todo mundo, então passa a existir um
nefasto incentivo para que todo mundo controle e denuncie o comportamento de
todo mundo. Se eu estou pagando pela sua saúde, não quero que você fume nem que
coma bobagens. Agora, se é você quem está pagando com o seu próprio dinheiro,
então isso não é problema meu.
Quanto mais as relações humanas se
tornam pautadas por políticas estatais, mais as pessoas se tornam intrusivas,
raivosas e ditatoriais.
O impulso estatizante é uma preferência
pelo uso da força do estado para a consecução de um benefício — real ou
imaginário, para si próprio ou para os outros — em detrimento de alternativas
voluntárias e mais intelectualmente desafiadoras, como persuasão, educação ou
liberdade de escolha. Se as pessoas vissem as coisas nesses termos tão
contrastantes — ou se elas percebessem que o apoio a intervenções
governamentais é uma opção que aniquila as liberdades —, o apoio a medidas
coercitivas para solucionar questões comportamentais diminuiria bastante.
O problema é que as pessoas
frequentemente são incapazes de equiparar intervenção a força e coerção. E é
exatamente isso o que ocorre. Veja: o governo não pediu que os
restaurantes proibissem o fumo; ele simplesmente deu essa ordem e
ameaçou com multas e até mesmo encarceramento quem descumprir o seu comando.
Já tentei essa argumentação com alguns
amigos. Exceto com aqueles que já tinham propensões libertárias, eis aqui algumas
típicas reações e a maneira como foram expressas:
Ilusão: “Não é bem uma ‘coerção’ se a maioria das pessoas aprova a medida.”
Paternalismo: “Nesse
caso, a coerção foi algo positivo, pois foi para o seu próprio bem.”
Dependência: “Se o
governo não fizer isso, quem fará?”
Miopia: “Você está
fazendo tempestade em copo d’água. Como é que banir o cigarro em restaurantes
pode representar uma ameaça às liberdades? Ainda que representasse, seria algo
tão ínfimo que não incomoda.”
Impaciência: “Não quero
ter de esperar até que o meu restaurante favorito voluntariamente decida banir
o cigarro.”
Ânsia de poder: “Restaurantes
que não desejam proibir fumantes devem ser forçados a fazê-lo.”
Alienação: “Não estou
nem aí. Odeio cigarro e não quero sequer pensar na hipótese de sentir o cheiro
dele, ainda que o dono do restaurante crie uma seção isolada para fumantes.”
Se você pensar bem, cada um desses
argumentos pode ser utilizado — e, de fato, esses raciocínios sempre são
utilizados — para justificar a imposição de limitações intoleráveis às
liberdades do indivíduo. Se existe algo que já deveríamos ter aprendido com a
história dos governos é que, sempre que você lhes dá a mão, eles arrancam o
braço; e isso se faz com o apelo aos instintos mais fracos da população.
O desafio é fazer as pessoas entenderem
que a liberdade sempre é tolhida gradualmente, um pouco de cada vez; ela não é
destruída repentinamente, de uma só vez. E que lutar e resistir à destruição da
liberdade em coisas pequenas é uma postura muito mais racional e sensata do que
ceder e apenas desejar que batalhas maiores não serão travadas mais tarde.
Ilusão,
paternalismo, dependência, miopia, impaciência,
ânsia de poder e alienação — trata-se de razões pelas quais as pessoas sucumbem a impulsos
estatizantes. Trata-se também de vestígios de um pensamento infantil. Quando
crianças ou adolescentes, a nossa compreensão de como o mundo funciona é, na
melhor das hipóteses, simplória. Esperamos que os adultos nos provenham e nos
sustentem; e não ligamos muito para a maneira como eles farão isso. E queremos
tudo para agora.
Somente nos tornamos “adultos” quando
aprendemos que há limites que restringem o nosso comportamento; quando
começamos a pensar no longo prazo e em todas as outras pessoas — e não apenas
em nós mesmos e no aqui-e-agora; quando fazemos o máximo de esforço para nos
tornarmos independentes na medida em que as nossas capacidades mentais e
físicas nos permitam; quando deixamos os outros em paz (a menos que eles nos
ameacem); e quando pacientemente satisfazemos os nossos desejos por meios
pacíficos — e não recorrendo a porretes.
Nós nos tornamos “adultos” quando
aceitamos a responsabilidade pessoal e respondemos pelos nossos próprios atos. E
voltamos a ser crianças quando transferimos as nossas responsabilidades e o
controle sobre nós mesmos para terceiros, especialmente para o governo.
Todavia, apenas olhe ao seu redor e
veja o nível do debate público e de todas as políticas recomendadas. Não há
limites para as demandas pela coerção do estado. Todos exigem que o estado “faça
algo”. Tribute mais aquele sujeito porque ele é mais rico que eu. Subsidie a
cultura. Imponha um imposto alfandegário para que eu não sofra a concorrência
de importados. Dê mais dinheiro para esta indústria. Pague pela minha
faculdade. Pague pela minha saúde. Proíba a posse e o porte de armas. Desaproprie
aquele lugar e construa um hospital ali. Facilite a minha vida obrigando os
outros a me sustentarem. Corrija este problema para mim; e faça isso já. Diga
àquele cara que é dono do restaurante que ele está proibido de atender quem deseja
fumar.
A impressão é que a nossa sociedade se
tornou um imenso berçário repleto de bebês chorões que veem o estado como uma
babá amorosa. A vontade que tenho é a de gritar: “Cresçam!”.
As sociedades prosperam e entram em
decadência de acordo com a civilidade dos seus cidadãos. Quanto mais eles se
respeitam e se associam voluntariamente, mais prósperos e seguros eles se
tornam. Quanto mais demandam força e coerção — legitimadas ou não —, mais
dóceis e maleáveis se tornam nas mãos de demagogos e tiranos.
Portanto, resistir ao impulso
estatizante não é algo trivial. Resistir a esse impulso nada mais é que a
postura genuinamente adulta a ser adotada.
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